Com a sua morte ganharam os piratas tal audácia, que tiveram a ousadia de passar com o navio prisioneiro, e com a bandeira de rasto, à vista de Macau. A sensação que fez esse triste espetáculo nos moradores daquela cidade é inexplicável. Juraram não só retomar a sua embarcação, mas também dar aos piratas o castigo merecido. Os navios que então se achavam no porto capazes de tal empresa eram o brigue do Senado e o navio Belisário. O brigue achava-se desarmado e desaparelhado, assim como o Belisário.
Seriam nove horas da manhã, quando se avistou o navio apressado; e antes de anoitecer já os nossos iam no alcance da esquadra inimiga! Como foi possível cobrar tanto em tão pouco tempo? Tudo se deveu à generosidade dos macaenses e ao estímulo dado pelo incansável Arriaga. Este digno ministro, honra dos togados e coluna forte da glória nacional, não se limitou a ser o primeiro em votar e concorrer com meios para o desempenho desta empresa. Pesando a importância da cidade e o perigo em que ela se achava, resolveu, sobre sua defesa, penhorar todas as forças sem perdoar as despesas, diligências ou perigos. Foi com seus braços dar exemplo aos macaenses mais distintos, que todos trabalharam na prontificação dos navios.
Era este varão entre os macaenses bem semelhante à alma dos estóicos, espalhada pelo universo. Estava em toda a parte. Seria preciso eloquência extremada e presenciar todos os seus ilustres feitos, para elogiar as altas qualidades deste preclaro varão: sem isso não é possível aparecerem tão brilhantes como foram praticados.
Por não haver então em Macau oficial de mar que se julgasse destro na política, ainda que todos sobrepujavam no valor, deu-se o comando em chefe ao capitão de artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa. Sustentou este invicto herói, em toda a luta contra os piratas, a dignidade portuguesa de modo que bem se parecia com o primeiro Capitão Lusitano que aportou naquele império.
Ao amanhecer subiram os montes sobranceiros à cidade, ansiosos por ver seus campeões; avistaram o brigue do Botelho, que, tendo surgido em plantão prisioneiro e ficando-lhe a bordo os portugueses restantes do combate, assim que o tufão soprou do oriente, cortaram as amarras e vieram encalhar na Taipa. Os macaenses exultaram com este sucesso, e muito mais por avistarem o brigue e o Belisário, que, pela grande perícia de seus oficiais, tinha escapado à fúria do tufão.
Havia também uma lancha armada em guerra, comandada por Antônio José Gonçalves Caroxa: mancebo ativo e destemido. Era comando de difícil desempenho, por ser a embarcação condutora dos víveres para os nossos, levados por entre os inimigos em frequentes combates. A força da lorcha constava de quatro pedreiros, um obus de doze e trinta homens de tripulação. Algumas vezes aconteceu estar incorporada aos nossos navios, quando batiam os piratas. Se o acaso permitia acalmar o vento, nessas ocasiões fazia o nosso Caroxa maravilhas extremadas.
Desejava Cam-pau-sai encontrá-lo, onde não pudessem defendê-lo os nossos, para mais a salvo descarregar sobre ele seu poder e seu ódio. Teve quem lhe desse dia certo em que a lorcha havia de passar por lugar onde Cam-pau-sai podia satisfazer seus desejos. Amanheceu o dia aprazado, e o novo Aquiles Lusitano chegou ao passo que bem pode nomear-se Cabalão. Achou-o coberto de inimigos; mas, julgando urgente o desempenho da sua comissão, tentou abrir caminho. Ainda que a sua tripulação era toda de chineses, tinha a sua disciplina: julgou que isso bastava.
Os inimigos tentaram rodeá-lo; mas o intrépido Caroxa lançou mãos ao obus e, como o reparo era de pião, jogava para todos os lados. Aos que se lhe aproximavam cortava-os com metralha; e aos que estavam mais longe passava-os com balas. Mas os navios inimigos eram tantos que mal podia desbaratar a todos os que lhe vinham ao alcance. Contudo, apesar de ver a maior parte da tripulação morta, não esfriava no empenho de vencer. Não usava render-se, nem fugir; cada vez mais afoito pretendia desembaraçar o passo. Mas os restantes da tripulação, vendo passar-lhe as balas pelo vestido sem lhe ofender o corpo e irem matar os seus companheiros, para que não lhes sucedesse o mesmo, ousaram lançar-se a ele e amarrá-lo de pés e mãos. Segurando assim o homem que lhes parecia invulnerável, fugiram para a cidade, onde o entregaram cheios de espanto e de temor, dando por desculpa do seu arrojo o muito que apreciavam a existência do seu comandante.
Os macaenses receberam o destemido Caroxa com estimação digna dos importantes serviços que lhes fazia e do valor com que se imortalizava. Mas o conselheiro Arriaga sobressaía a todos. Tinha maneiras singulares para introduzir heroísmo nos homens que destinava a empresas arriscadas. O sentimento lúgubre que mostrava pela morte de um marinheiro hábil, ou o elogio feito a outro que se distinguia, dava a todos cobiça de se verem acatados e elogiados por ele. Nesta ocasião um abraço dado em Caroxa, em nome da pátria, fortaleceu a alma deste Lusitano de modo que só ele, em sua lorcha, com outra equipagem, se julgava suficiente para arrostar com todos os piratas.
Em verdade, onde as leis são respeitadas, a sociedade é livre; e os homens serão livres em toda a parte que houver governo justo, como era então o de Macau. Longe de invejar a seus concidadãos as vantagens granjeadas por sua indústria, cuidava com muito desvelo em aumentá-las. Não só deixava de oprimir, mas assegurava a sua liberdade: bem precioso ao homem e necessário à sua ventura, tão distante da licença perigosa como da humilhação servil. O governo providente apenas liga as mãos aos homens para não se ofenderem, mas deixa-os trabalhar sem obstáculo para a sua felicidade; sabe que a ignorância não só deslumbra os homens, mas também os faz pusilânimes e desgraçados: a razão e a liberdade melhoram o coração e os fazem virtuosos e resolutos.
Arriaga sabia que a justa distribuição dos prémios e das penas é a melhor ação do governo sobre o povo: serviu-se destas principais molas do coração humano para animar a virtude e o mérito e obrigar o interesse particular a promover o interesse público. O certo é que a virtude desaparece quando o vício é honrado. Algumas vezes lhe ouvi eu que os favores dados à incapacidade são roubos feitos ao merecimento; e as recompensas dadas a quem bem serve a pátria são dívidas que o governo paga por ela. Fui testemunha das bênçãos que lhe lançavam os macaenses pelo muito que se ocupava da sua ventura. Fazia do merecimento dos homens estimação tão justa, que nem a conveniência, nem o Estado ficava devedor: virtude nos príncipes dificultosa e nos ministros rara.
Os temerários que tinham amarrado o invicto Caroxa foram excluídos do serviço português. Tomou nova tripulação e continuou a destruir os piratas. Cam-pau-sai, vivo, constantemente frustrava quantas diligências se fizeram para o tomar.
Logo que amainou o tufão, partiram os nossos em procura do inimigo. Acharam reunidas as esquadras de Cam-pau-sai e Apau-tai, nos canais de Wam-poo, em 15 de setembro de 1809. Assim que avistaram os navios macaenses, suspenderam, mas os nossos carregaram sobre eles. Cam-pau-sai empenhou-se no combate; fez entrar nele os seus melhores navios; mas o fogo violento das nossas embarcações fazia-lhe tal estrago que, saindo eles do alcance da nossa artilharia, poucas ficavam em estado de entrar segunda vez no fogo. Contudo, cevados de raiva e ávidos de glória, a fim de iludir os povos do seu partido, ainda bem uns não se tinham retirado, já outros tomavam o lugar vago. Não sendo o Belisário construído para guerra tão violenta, abriu com o impulso da artilharia; tornou-se incapaz de combater: retirou-se. O invicto Alcoforado, não podendo vencer força tão superior, também se retirou, mas deixou em cinzas muitas embarcações inimigas.
Seriam nove horas da manhã, quando se avistou o navio apressado; e antes de anoitecer já os nossos iam no alcance da esquadra inimiga! Como foi possível cobrar tanto em tão pouco tempo? Tudo se deveu à generosidade dos macaenses e ao estímulo dado pelo incansável Arriaga. Este digno ministro, honra dos togados e coluna forte da glória nacional, não se limitou a ser o primeiro em votar e concorrer com meios para o desempenho desta empresa. Pesando a importância da cidade e o perigo em que ela se achava, resolveu, sobre sua defesa, penhorar todas as forças sem perdoar as despesas, diligências ou perigos. Foi com seus braços dar exemplo aos macaenses mais distintos, que todos trabalharam na prontificação dos navios.
Era este varão entre os macaenses bem semelhante à alma dos estóicos, espalhada pelo universo. Estava em toda a parte. Seria preciso eloquência extremada e presenciar todos os seus ilustres feitos, para elogiar as altas qualidades deste preclaro varão: sem isso não é possível aparecerem tão brilhantes como foram praticados.
Por não haver então em Macau oficial de mar que se julgasse destro na política, ainda que todos sobrepujavam no valor, deu-se o comando em chefe ao capitão de artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa. Sustentou este invicto herói, em toda a luta contra os piratas, a dignidade portuguesa de modo que bem se parecia com o primeiro Capitão Lusitano que aportou naquele império.
Ao amanhecer subiram os montes sobranceiros à cidade, ansiosos por ver seus campeões; avistaram o brigue do Botelho, que, tendo surgido em plantão prisioneiro e ficando-lhe a bordo os portugueses restantes do combate, assim que o tufão soprou do oriente, cortaram as amarras e vieram encalhar na Taipa. Os macaenses exultaram com este sucesso, e muito mais por avistarem o brigue e o Belisário, que, pela grande perícia de seus oficiais, tinha escapado à fúria do tufão.
Havia também uma lancha armada em guerra, comandada por Antônio José Gonçalves Caroxa: mancebo ativo e destemido. Era comando de difícil desempenho, por ser a embarcação condutora dos víveres para os nossos, levados por entre os inimigos em frequentes combates. A força da lorcha constava de quatro pedreiros, um obus de doze e trinta homens de tripulação. Algumas vezes aconteceu estar incorporada aos nossos navios, quando batiam os piratas. Se o acaso permitia acalmar o vento, nessas ocasiões fazia o nosso Caroxa maravilhas extremadas.
Desejava Cam-pau-sai encontrá-lo, onde não pudessem defendê-lo os nossos, para mais a salvo descarregar sobre ele seu poder e seu ódio. Teve quem lhe desse dia certo em que a lorcha havia de passar por lugar onde Cam-pau-sai podia satisfazer seus desejos. Amanheceu o dia aprazado, e o novo Aquiles Lusitano chegou ao passo que bem pode nomear-se Cabalão. Achou-o coberto de inimigos; mas, julgando urgente o desempenho da sua comissão, tentou abrir caminho. Ainda que a sua tripulação era toda de chineses, tinha a sua disciplina: julgou que isso bastava.
Os inimigos tentaram rodeá-lo; mas o intrépido Caroxa lançou mãos ao obus e, como o reparo era de pião, jogava para todos os lados. Aos que se lhe aproximavam cortava-os com metralha; e aos que estavam mais longe passava-os com balas. Mas os navios inimigos eram tantos que mal podia desbaratar a todos os que lhe vinham ao alcance. Contudo, apesar de ver a maior parte da tripulação morta, não esfriava no empenho de vencer. Não usava render-se, nem fugir; cada vez mais afoito pretendia desembaraçar o passo. Mas os restantes da tripulação, vendo passar-lhe as balas pelo vestido sem lhe ofender o corpo e irem matar os seus companheiros, para que não lhes sucedesse o mesmo, ousaram lançar-se a ele e amarrá-lo de pés e mãos. Segurando assim o homem que lhes parecia invulnerável, fugiram para a cidade, onde o entregaram cheios de espanto e de temor, dando por desculpa do seu arrojo o muito que apreciavam a existência do seu comandante.
Os macaenses receberam o destemido Caroxa com estimação digna dos importantes serviços que lhes fazia e do valor com que se imortalizava. Mas o conselheiro Arriaga sobressaía a todos. Tinha maneiras singulares para introduzir heroísmo nos homens que destinava a empresas arriscadas. O sentimento lúgubre que mostrava pela morte de um marinheiro hábil, ou o elogio feito a outro que se distinguia, dava a todos cobiça de se verem acatados e elogiados por ele. Nesta ocasião um abraço dado em Caroxa, em nome da pátria, fortaleceu a alma deste Lusitano de modo que só ele, em sua lorcha, com outra equipagem, se julgava suficiente para arrostar com todos os piratas.
Em verdade, onde as leis são respeitadas, a sociedade é livre; e os homens serão livres em toda a parte que houver governo justo, como era então o de Macau. Longe de invejar a seus concidadãos as vantagens granjeadas por sua indústria, cuidava com muito desvelo em aumentá-las. Não só deixava de oprimir, mas assegurava a sua liberdade: bem precioso ao homem e necessário à sua ventura, tão distante da licença perigosa como da humilhação servil. O governo providente apenas liga as mãos aos homens para não se ofenderem, mas deixa-os trabalhar sem obstáculo para a sua felicidade; sabe que a ignorância não só deslumbra os homens, mas também os faz pusilânimes e desgraçados: a razão e a liberdade melhoram o coração e os fazem virtuosos e resolutos.
Arriaga sabia que a justa distribuição dos prémios e das penas é a melhor ação do governo sobre o povo: serviu-se destas principais molas do coração humano para animar a virtude e o mérito e obrigar o interesse particular a promover o interesse público. O certo é que a virtude desaparece quando o vício é honrado. Algumas vezes lhe ouvi eu que os favores dados à incapacidade são roubos feitos ao merecimento; e as recompensas dadas a quem bem serve a pátria são dívidas que o governo paga por ela. Fui testemunha das bênçãos que lhe lançavam os macaenses pelo muito que se ocupava da sua ventura. Fazia do merecimento dos homens estimação tão justa, que nem a conveniência, nem o Estado ficava devedor: virtude nos príncipes dificultosa e nos ministros rara.
Os temerários que tinham amarrado o invicto Caroxa foram excluídos do serviço português. Tomou nova tripulação e continuou a destruir os piratas. Cam-pau-sai, vivo, constantemente frustrava quantas diligências se fizeram para o tomar.
Logo que amainou o tufão, partiram os nossos em procura do inimigo. Acharam reunidas as esquadras de Cam-pau-sai e Apau-tai, nos canais de Wam-poo, em 15 de setembro de 1809. Assim que avistaram os navios macaenses, suspenderam, mas os nossos carregaram sobre eles. Cam-pau-sai empenhou-se no combate; fez entrar nele os seus melhores navios; mas o fogo violento das nossas embarcações fazia-lhe tal estrago que, saindo eles do alcance da nossa artilharia, poucas ficavam em estado de entrar segunda vez no fogo. Contudo, cevados de raiva e ávidos de glória, a fim de iludir os povos do seu partido, ainda bem uns não se tinham retirado, já outros tomavam o lugar vago. Não sendo o Belisário construído para guerra tão violenta, abriu com o impulso da artilharia; tornou-se incapaz de combater: retirou-se. O invicto Alcoforado, não podendo vencer força tão superior, também se retirou, mas deixou em cinzas muitas embarcações inimigas.