Não obstante, aquele infeliz fôra, na vida, um morador notável. Toda a cidade conhecia-lhe o nome. Fizera-o á custa de muitos anos de improbo trabalho, numa repartição movimentada e importante. Quando fechava o serviço oficial, não era para casa que ia o Heitor: tomava o caminho do diário onde colaborativa e que lhe devia grande parte de seus melhores êxitos.
Quantas noites não passou ele em claro, numa superexcitação agridoce, obsidiado pela ideia de um artigo sensacional, entusiasmado por uma nova secção, enervado na improfícua procura de um termo próprio, de um vocábulo justo, que exata e completamente interpretasse o seu pensamento!
Mas era mais do que um jornalista, o Heitor: era um literato de vocação. Seu anelo mais vehemente consistia na publicação de um livro, novella ou contos, que fôsse a definitiva consagração do seu nome de escritor. Muito jovem, fizera nas lettras uma estréia banal, quando estudante. Lançaram, como tantos, um manifesto político em verso e commettere sonetos como toda a gente os perpetra, aos 20 anos. Porém depressa lhe disse o bom senso não serem os versos o seu forte e Heitor dedicou-se à prosa. Tivera, ao princípio, um estilo guindado, quase gongórico: influência de Camillo Castello Branco, que o impressionaram violentamente. Fez-se pesquisador de vocábulos raros e tentou retomar, com honras de neologismos, termos veneranda mente arcaicos. Seu critério, entretanto, aconselhou-o com brandura a emancipar-se de alheias influências, a mostrar-se nu ao público, sem artifícios de linguagem. Foi-lhe salutar a própria observação: a fórmula tornou-se mais simples, a expressão mais singela, a ideia mais clara.
Sucedia que voltava alta noite do trabalho, fadiga díssimo, os olhos avermelhados, o cérebro oco e pesado; e, na vehemencia de seu amor às lettras, assim mesmo sentava-se à mesa, a rabiscar tiras consecutivas, a esmo, com desespero.
Davam-se, então, alternadamente, grandes, desencontradas luctas n aquelle espirito. Vinham-lhe ás vezes, á lembrança do êxito de um livro novo, revivescentes enthusiasmos. O clangoroso clarim da emulação retinia-lhe aos ouvidos, animadamente. Sentia-se Heitor capaz de grandes cometimentos, fazia projetos e planos de romances, - uma edição de luxo, á Guillaume, com gravuras artísticas, executadas em Paris.
Era um dos seus sonhos mais persistentes um livro amazônico, todo cheio de vinhetas com paisagens nossas, que interpretam, nas linhas do desenho, as perspectivas que o texto havia de pintar ainda mais eloquentemente do que o lápis. A ideia dessas ilustrações, seu espírito alcandorar -se em grandes esperanças. Todo o corpo vibrava-lhe de emoção artística, precisando os aplausos incondicionais de seus conterrâneos.
E projectava de uma assentada dois romances e três ou quatro contos. Preparava-se para escrever, limpava a pena, dispunha meticulosamente o papel deante de si e.. . fitava o teto, à espreita da primeira palavra, como se tivesse de agarrá la de surpresa; mas a frase tornava-se arredia, ocultava -se num burburinho de pensamentos e o tempo fugia, na desanimada esterilidade de Heitor.
Chegavam-lhe depois á memória as ruidosas ovações feitas a outros descritores, a aceitação de seus livros, a popularidade de seus nomes em todo o país. Tentava, num esforço de energia, vencer a improdutividade, forçar a ideia; tornava a molhar a pena, endireitar o papel: tudo era inútil. Estava escrito que nada poderia fazer.
Deitava-se então, num desânimo, soprava a luz; ficava na escuridão da sua soledade, os olhos escancarados, com um ofego de raiva a secar-lhe a goela. Era justamente isso a sua arrelia. Uma vez deitado, tinha, logo depois, a inteligencia lucidissima: organiza as ideias, formulava frases mentalmente, alinhava períodos inteiros. E, numa crispação, conhecia - presentia - que, se escrevesse assim, teria garantido o agrado público, que é o vestíbulo da imortalidade para o escritor. Saltava às pressas para o chão, acendia a vela, atirava-se à mesa: -mas o encantamento quebrava-se, permanecendo ali apenas o homem de letras impotente, o jornalista esgotado, o funcionário embrutecido, que longas horas de trabalho material impossibilitaram para as lucubrações artísticas. Vinham-lhe então vibrantes assomos de tremulas desesperação. Infeliz Heitor!
Quantas noites não passou ele em claro, numa superexcitação agridoce, obsidiado pela ideia de um artigo sensacional, entusiasmado por uma nova secção, enervado na improfícua procura de um termo próprio, de um vocábulo justo, que exata e completamente interpretasse o seu pensamento!
Mas era mais do que um jornalista, o Heitor: era um literato de vocação. Seu anelo mais vehemente consistia na publicação de um livro, novella ou contos, que fôsse a definitiva consagração do seu nome de escritor. Muito jovem, fizera nas lettras uma estréia banal, quando estudante. Lançaram, como tantos, um manifesto político em verso e commettere sonetos como toda a gente os perpetra, aos 20 anos. Porém depressa lhe disse o bom senso não serem os versos o seu forte e Heitor dedicou-se à prosa. Tivera, ao princípio, um estilo guindado, quase gongórico: influência de Camillo Castello Branco, que o impressionaram violentamente. Fez-se pesquisador de vocábulos raros e tentou retomar, com honras de neologismos, termos veneranda mente arcaicos. Seu critério, entretanto, aconselhou-o com brandura a emancipar-se de alheias influências, a mostrar-se nu ao público, sem artifícios de linguagem. Foi-lhe salutar a própria observação: a fórmula tornou-se mais simples, a expressão mais singela, a ideia mais clara.
Sucedia que voltava alta noite do trabalho, fadiga díssimo, os olhos avermelhados, o cérebro oco e pesado; e, na vehemencia de seu amor às lettras, assim mesmo sentava-se à mesa, a rabiscar tiras consecutivas, a esmo, com desespero.
Davam-se, então, alternadamente, grandes, desencontradas luctas n aquelle espirito. Vinham-lhe ás vezes, á lembrança do êxito de um livro novo, revivescentes enthusiasmos. O clangoroso clarim da emulação retinia-lhe aos ouvidos, animadamente. Sentia-se Heitor capaz de grandes cometimentos, fazia projetos e planos de romances, - uma edição de luxo, á Guillaume, com gravuras artísticas, executadas em Paris.
Era um dos seus sonhos mais persistentes um livro amazônico, todo cheio de vinhetas com paisagens nossas, que interpretam, nas linhas do desenho, as perspectivas que o texto havia de pintar ainda mais eloquentemente do que o lápis. A ideia dessas ilustrações, seu espírito alcandorar -se em grandes esperanças. Todo o corpo vibrava-lhe de emoção artística, precisando os aplausos incondicionais de seus conterrâneos.
E projectava de uma assentada dois romances e três ou quatro contos. Preparava-se para escrever, limpava a pena, dispunha meticulosamente o papel deante de si e.. . fitava o teto, à espreita da primeira palavra, como se tivesse de agarrá la de surpresa; mas a frase tornava-se arredia, ocultava -se num burburinho de pensamentos e o tempo fugia, na desanimada esterilidade de Heitor.
Chegavam-lhe depois á memória as ruidosas ovações feitas a outros descritores, a aceitação de seus livros, a popularidade de seus nomes em todo o país. Tentava, num esforço de energia, vencer a improdutividade, forçar a ideia; tornava a molhar a pena, endireitar o papel: tudo era inútil. Estava escrito que nada poderia fazer.
Deitava-se então, num desânimo, soprava a luz; ficava na escuridão da sua soledade, os olhos escancarados, com um ofego de raiva a secar-lhe a goela. Era justamente isso a sua arrelia. Uma vez deitado, tinha, logo depois, a inteligencia lucidissima: organiza as ideias, formulava frases mentalmente, alinhava períodos inteiros. E, numa crispação, conhecia - presentia - que, se escrevesse assim, teria garantido o agrado público, que é o vestíbulo da imortalidade para o escritor. Saltava às pressas para o chão, acendia a vela, atirava-se à mesa: -mas o encantamento quebrava-se, permanecendo ali apenas o homem de letras impotente, o jornalista esgotado, o funcionário embrutecido, que longas horas de trabalho material impossibilitaram para as lucubrações artísticas. Vinham-lhe então vibrantes assomos de tremulas desesperação. Infeliz Heitor!