Ponho-me às vezes a escutar, atento,
A voz do sangue, a voz da minha raça...
E em meus olhos, então, saudosos, passa
Uma visão que é um deslumbramento!
Em horas de amargura e de ansiedade,
Quando os meus braços tombam de fadiga,
- Ponho-me a ouvir aquela voz antiga
Religiosamente, com saudade...
É quando a noite cai silenciosa
E uma tristeza oculta chora em nós,
Que eu ouço aquela voz misteriosa
E me esqueço a falar com meus avós!
É quando alguém me diz que tudo é morto,
Que a Pátria é morta e destruindo o lar...
Quando vagueio pálido e absorto,
Com amargura, e sem acreditar!
É quando eu vejo a terra abandonada,
O Passado esquecido... E escuto, além,
Na escuridão da noite envergonhada,
Insultarem a Pátria, a própria Mãe...
Quando oiço o Mar ao longe, embravecido,
Bolsando ao ar os negros vagalhões,
No silêncio profundo e estarrecido,
A cantar as estrofes de Camões...
É quando, a luz amiga das estrelas,
O Mar saudoso e bom, o Mar profundo,
Julga, a sonhar, que embala caravelas
Que vão partir a devassar o Mundo!
Ficam-se os olhos húmidos, inquietos
A interrogar em vão a noite escura...
E eu sinto em mim a trágica amargura
Dos destinos falhos, incompletos...
Mas, numa aurora esplêndida e bendita
É então, é então que em mim desperta
E no meu sangue novo ressuscita
O espírito da raça numa alerta!
E no meu sangue, em turbilhões, a arder,
Em orgulho e em fé e esforço altivo,
Todas as glórias do Passado vivo,
Todo o passado canta no meu ser!...
... Sam primeiro os indómitos pastores,
Rudes, selvagens, livres, vagabundos,
Gigantescos, erguidos nos pendores
Das altas serras sob os céus profundos!...
Vejo-os além de mim, longe, na bruma,
Pelas encostas bárbaras da serra...
E olham receosos a nevada espuma
Dos abraços do Mar cingindo a Terra...
Vejo-os cavando o solo... E o trigo cresce...
- Olha as searas de oiro, os fructos loiros!...
As enxadas ao Sol, - olhai, - parece
Que cintilam no ar como tesouros...
Vejo-os por fim á beira-Mar, um dia,
Ouvindo as ondas células cantar...
E já ostenta uma visão que erguia
Aos olhos deles a canção do Mar...
Vam-se á floresta... Brilham os machados...
E os troncos descem, mortos, sobre os rios...
Ei-los, na foz que se erguem, espantados,
Ei-los no ar, sam mastros de navios...
Depois, - ó dia grande! - eu vejo o Povo
da minha Terra à beira-mar chorando...
É o doirado romper dum tempo novo!
Sam as velas, ao longe, navegando!...
Pelo mar-fora vão, pela aventura,
Levam somente a graça do Senhor!
De asas abertas, pela noite escura,
Nem as detém o próprio Adamastor...
Vêde os mareantes, vêde os vagabundos,
Percorrendo as longínquas solidões...
Dam ao mundo espantado novos mundos!..
Dam ao Futuro os versos de Camões!
Abrem a Idade-nova! E o mundo inteiro
Viu-se maior, mais rico ao despertar,
Pelo esforço do Povo-marinheiro
Que atravessará e dominará o Mar...
Grita em meu sangue a fúlgida epopeia,
Chega-me a luz a arder de tantos sóis,
Sobe do Mar da Glória a maré cheia,
O Sol auréola as frontes dos heróis!
E então em mim renasce o velho culto,
O antigo amor, a vida vencedora...
E em meus olhos ardentes passa o vulto
Duma Pátria a sorrir como uma aurora.
Pulsa irrequieto, a arder, meu sangue novo.
Rasga-se ao meu olhar um alto fim!...
E toda a alma heróica deste povo
Sinto-a sonhar e delirar em mim...
Ah! como é bela a Vida ansiosa, inquieta,
Ah! como é grande e belo navegar!
- Sou marinheiro porque sou Poeta,
- Vinde comigo, vamos para o Mar!
Ah! como é bela a ânsia desmedida
Que nos dilata o peito, a estremecer,
E nos exalta e nos dilata a vida,
E nos levanta e diviniza o ser!
Ó meus avós - heróis da Descoberta,
Quero ir convosco pelos mares fora...
É a vossa alma que hoje em mim desperta
É o vosso coração que eu sinto agora!
Vamos todos para o Mar!... Se acaso o Mundo
Estreito fôr pra tanta ansiedade,
Vamos às Índias que há no céu profundo,
Vamos cruzar, correr a Imensidade!...
Numa divina ancião ergueu os braços,
Livre já das algemas, para o Céu!
- Há muitos sóis brilhando nos espaços, -
Vamos roubá-los como Prometeu!...
Há mundos novos para arrancar á Treva,
Muitas venturas pra roubar á Dor...
- Partamos todos numa ardente leva,
Erguendo ao alto pavilhões de Amôr!
No mar profundo e vasto do Futuro
Há muitas Índias para descobrir...
Vamos abrir à luz o Oceano escuro,
Vamos tocar ás praias do Porvir!...
É embarcar e partir, com ansiedade!
- Vamos buscar aos horizontes novos,
Índias -novas de Amor e liberdade,
E mais luz e justiça para os Povos!...
É olhar o Passado! - Olhai-ó vós
Com bons olhos de Amor... E escutai!
- E toda a História que se escuta em nós,
- Vêde a maré de glória que ahi vai!
Deitai barcos ao Mar! Eh! - marinheiros!
Que esperais vós, então? - Vá, embarcar!...
- Nós somos inda os mesmos marinheiros,
- É este ainda o mesmo antigo Mar!
O mundo é sempre novo, - ó meus amigos!
E o Futuro é imenso e o Ideal...
- Embarcamos para o Mar como os antigos,
- Que este é ainda o mesmo Portugal!
A voz do sangue, a voz da minha raça...
E em meus olhos, então, saudosos, passa
Uma visão que é um deslumbramento!
Em horas de amargura e de ansiedade,
Quando os meus braços tombam de fadiga,
- Ponho-me a ouvir aquela voz antiga
Religiosamente, com saudade...
É quando a noite cai silenciosa
E uma tristeza oculta chora em nós,
Que eu ouço aquela voz misteriosa
E me esqueço a falar com meus avós!
É quando alguém me diz que tudo é morto,
Que a Pátria é morta e destruindo o lar...
Quando vagueio pálido e absorto,
Com amargura, e sem acreditar!
É quando eu vejo a terra abandonada,
O Passado esquecido... E escuto, além,
Na escuridão da noite envergonhada,
Insultarem a Pátria, a própria Mãe...
Quando oiço o Mar ao longe, embravecido,
Bolsando ao ar os negros vagalhões,
No silêncio profundo e estarrecido,
A cantar as estrofes de Camões...
É quando, a luz amiga das estrelas,
O Mar saudoso e bom, o Mar profundo,
Julga, a sonhar, que embala caravelas
Que vão partir a devassar o Mundo!
Ficam-se os olhos húmidos, inquietos
A interrogar em vão a noite escura...
E eu sinto em mim a trágica amargura
Dos destinos falhos, incompletos...
Mas, numa aurora esplêndida e bendita
É então, é então que em mim desperta
E no meu sangue novo ressuscita
O espírito da raça numa alerta!
E no meu sangue, em turbilhões, a arder,
Em orgulho e em fé e esforço altivo,
Todas as glórias do Passado vivo,
Todo o passado canta no meu ser!...
... Sam primeiro os indómitos pastores,
Rudes, selvagens, livres, vagabundos,
Gigantescos, erguidos nos pendores
Das altas serras sob os céus profundos!...
Vejo-os além de mim, longe, na bruma,
Pelas encostas bárbaras da serra...
E olham receosos a nevada espuma
Dos abraços do Mar cingindo a Terra...
Vejo-os cavando o solo... E o trigo cresce...
- Olha as searas de oiro, os fructos loiros!...
As enxadas ao Sol, - olhai, - parece
Que cintilam no ar como tesouros...
Vejo-os por fim á beira-Mar, um dia,
Ouvindo as ondas células cantar...
E já ostenta uma visão que erguia
Aos olhos deles a canção do Mar...
Vam-se á floresta... Brilham os machados...
E os troncos descem, mortos, sobre os rios...
Ei-los, na foz que se erguem, espantados,
Ei-los no ar, sam mastros de navios...
Depois, - ó dia grande! - eu vejo o Povo
da minha Terra à beira-mar chorando...
É o doirado romper dum tempo novo!
Sam as velas, ao longe, navegando!...
Pelo mar-fora vão, pela aventura,
Levam somente a graça do Senhor!
De asas abertas, pela noite escura,
Nem as detém o próprio Adamastor...
Vêde os mareantes, vêde os vagabundos,
Percorrendo as longínquas solidões...
Dam ao mundo espantado novos mundos!..
Dam ao Futuro os versos de Camões!
Abrem a Idade-nova! E o mundo inteiro
Viu-se maior, mais rico ao despertar,
Pelo esforço do Povo-marinheiro
Que atravessará e dominará o Mar...
Grita em meu sangue a fúlgida epopeia,
Chega-me a luz a arder de tantos sóis,
Sobe do Mar da Glória a maré cheia,
O Sol auréola as frontes dos heróis!
E então em mim renasce o velho culto,
O antigo amor, a vida vencedora...
E em meus olhos ardentes passa o vulto
Duma Pátria a sorrir como uma aurora.
Pulsa irrequieto, a arder, meu sangue novo.
Rasga-se ao meu olhar um alto fim!...
E toda a alma heróica deste povo
Sinto-a sonhar e delirar em mim...
Ah! como é bela a Vida ansiosa, inquieta,
Ah! como é grande e belo navegar!
- Sou marinheiro porque sou Poeta,
- Vinde comigo, vamos para o Mar!
Ah! como é bela a ânsia desmedida
Que nos dilata o peito, a estremecer,
E nos exalta e nos dilata a vida,
E nos levanta e diviniza o ser!
Ó meus avós - heróis da Descoberta,
Quero ir convosco pelos mares fora...
É a vossa alma que hoje em mim desperta
É o vosso coração que eu sinto agora!
Vamos todos para o Mar!... Se acaso o Mundo
Estreito fôr pra tanta ansiedade,
Vamos às Índias que há no céu profundo,
Vamos cruzar, correr a Imensidade!...
Numa divina ancião ergueu os braços,
Livre já das algemas, para o Céu!
- Há muitos sóis brilhando nos espaços, -
Vamos roubá-los como Prometeu!...
Há mundos novos para arrancar á Treva,
Muitas venturas pra roubar á Dor...
- Partamos todos numa ardente leva,
Erguendo ao alto pavilhões de Amôr!
No mar profundo e vasto do Futuro
Há muitas Índias para descobrir...
Vamos abrir à luz o Oceano escuro,
Vamos tocar ás praias do Porvir!...
É embarcar e partir, com ansiedade!
- Vamos buscar aos horizontes novos,
Índias -novas de Amor e liberdade,
E mais luz e justiça para os Povos!...
É olhar o Passado! - Olhai-ó vós
Com bons olhos de Amor... E escutai!
- E toda a História que se escuta em nós,
- Vêde a maré de glória que ahi vai!
Deitai barcos ao Mar! Eh! - marinheiros!
Que esperais vós, então? - Vá, embarcar!...
- Nós somos inda os mesmos marinheiros,
- É este ainda o mesmo antigo Mar!
O mundo é sempre novo, - ó meus amigos!
E o Futuro é imenso e o Ideal...
- Embarcamos para o Mar como os antigos,
- Que este é ainda o mesmo Portugal!