A casa não tem formosuras arquitectónicas, nem aspecto de palácio; é apenas um edifício vasto, cercado de dependências rústicas, tendo defronte do portão às cavalariças, casas de habitação dos criados, etc. , que, desenrolando se em semicírculo, fecham um terreiro que dá ao edifício campestre uma espécie de pátio de entrada. A parte mais característica da residência é a extensa varanda de madeira, tão usada na província, onde nas tardes de estio se respira a viração da serra, onde nas manhãs de inverno se toma alegremente a réstia do sol.
Fica isolada a habitação que a largos traços descrevemos. Pegada com a fachada principal está o muro, onde se abre o portão da quinta. Esta é sombreada pelo magnífico arvoredo, que viça, com incrível vigor, nesse torrão privilegiado conhecido na província pelo nome de cova da Beira. Para um lado a pouca distância fica Alpedrinha, a pittoresca villa com as suas casas penduradas entre verduras da encosta da montanha, para outro lado a estrada desce até ao Fundão. Por toda a parte verdura, árvores, águas, o ar puríssimo das serras, os rumores misteriosos das solidões. É encantadora a situação daquele formoso eremitério.
No outono e no inverno a paisagem toma uns tons mais carregados e lúgubres. A montanha assume um certo ar de grandeza. Nos soutos espessos dos castanheiros passa o furacão silvando com fúria; a trovoada vai -se repercutindo de echo e echo pelas concavidades dos valles, e os relâmpagos iluminam, com a sua luz sinistra, o arvoredo que se estorce nos braços doídos do vendaval. Nos amplos salões desses edifícios isolados ouvem-se rumores sinistros, e sons misteriosos, e o vento, fazendo ranger os pilares da varanda, então a música triste das lendas populares.
É exactamente no outono que nós conduzimos o leitor à casa da Fragosa, como por lá se chama ao sítio em que ela fica. Os viscondes da Fragosa, que ali moram, tinha convidado alguns amigos seus para irem caçar nas suas terras, de fórma que estavam reunidas bastantes pessoas no grande salão da residência, junto da brasileira, no momento em que convidamos o leitor para entrar também e aproveitar o calor benéfico do lume.
É já noite; a tarde estivera sobre-maneira ventosa e fria, de fórma que os convidados, reunidos na varanda, para assistirem a um desses esplêndidos os casos do sol, que são tão frequentes no outono, tiveram que tirar e fechar-se em casa, deixando o vento gemer lá fora, distorcendo os ramos do arvoredo. Acendeu -se a braseira, e, esquecendo-se o frio e o vento, entrou-se numa palestra tão animada, como se se estivesse numa sala de Lisboa, a dois passos do Teatro Italiano, e sentindo-se, a rodarem nas ruas, as carruagens da cidade.
O salão era vasto e simples, mobilado á antiga. Nas paredes alguns velhos quadros sombrios; pesadas cadeiras, de pés torneados, forradas de couro lavrado, dispostas em círculo, em torno de uma mesa de pau santo, ornava apenas um canto da sala imensa. Neste canto, onde se agrupavam a família e os convidados, havia uma profusa iluminação. O resto da sala ficava perdido na sombra. De vez em quando surgiam d'esse fundo escuro os criados que vinham fazer algum serviço. O toque da campainha não parecia que os chamava, parecia que os evocava. Saíam de súbito da penumbra, como se surgissem do chão. O aspecto da casa era, portanto, o mais lendário que podia imaginar-se.
A conversação prolongará -se ainda depois do chá! Um médico, que residia em Alpedrinha, para onde viera, não exercer a clínica, mas tratar da sua própria saúde, arruinada, em proveito da saúde dos outros, homem de espírito fino e amável, fôra quem sustentará principalmente a palestra, ajudado por um sr. Lucio Valença, escritor de certa aura, e caçador intrépido, e por uma filha dos viscondes, gentil menina, sympathique, alegre e desembaraçada, que, apesar de ter vivido sempre em Castello-Branco, e de ter ido apenas uma ou duas vezes a Lisboa, não tinha nenhum dos acabamentos tradicionais das provincianas de romance.
A pouco e pouco, porém, esmorecer a conversação: pausas cada vez mais amiudadas cortavam a palestra, e o médico já tirara o relógio para vêr se não iam sendo horas de retirada. Mas o visconde da Fragosa estava agarrado, com o comendador Madureira, e alguns vizinhos de campo, a um impertinente boston, e em vista disso ninguém ousava ser o primeiro a tocar a recolher.
Nestes silêncios ouvia-se distintamente o rugir do vento na serra, e os seus gemidos e silvos nos corredores da casa.
Fica isolada a habitação que a largos traços descrevemos. Pegada com a fachada principal está o muro, onde se abre o portão da quinta. Esta é sombreada pelo magnífico arvoredo, que viça, com incrível vigor, nesse torrão privilegiado conhecido na província pelo nome de cova da Beira. Para um lado a pouca distância fica Alpedrinha, a pittoresca villa com as suas casas penduradas entre verduras da encosta da montanha, para outro lado a estrada desce até ao Fundão. Por toda a parte verdura, árvores, águas, o ar puríssimo das serras, os rumores misteriosos das solidões. É encantadora a situação daquele formoso eremitério.
No outono e no inverno a paisagem toma uns tons mais carregados e lúgubres. A montanha assume um certo ar de grandeza. Nos soutos espessos dos castanheiros passa o furacão silvando com fúria; a trovoada vai -se repercutindo de echo e echo pelas concavidades dos valles, e os relâmpagos iluminam, com a sua luz sinistra, o arvoredo que se estorce nos braços doídos do vendaval. Nos amplos salões desses edifícios isolados ouvem-se rumores sinistros, e sons misteriosos, e o vento, fazendo ranger os pilares da varanda, então a música triste das lendas populares.
É exactamente no outono que nós conduzimos o leitor à casa da Fragosa, como por lá se chama ao sítio em que ela fica. Os viscondes da Fragosa, que ali moram, tinha convidado alguns amigos seus para irem caçar nas suas terras, de fórma que estavam reunidas bastantes pessoas no grande salão da residência, junto da brasileira, no momento em que convidamos o leitor para entrar também e aproveitar o calor benéfico do lume.
É já noite; a tarde estivera sobre-maneira ventosa e fria, de fórma que os convidados, reunidos na varanda, para assistirem a um desses esplêndidos os casos do sol, que são tão frequentes no outono, tiveram que tirar e fechar-se em casa, deixando o vento gemer lá fora, distorcendo os ramos do arvoredo. Acendeu -se a braseira, e, esquecendo-se o frio e o vento, entrou-se numa palestra tão animada, como se se estivesse numa sala de Lisboa, a dois passos do Teatro Italiano, e sentindo-se, a rodarem nas ruas, as carruagens da cidade.
O salão era vasto e simples, mobilado á antiga. Nas paredes alguns velhos quadros sombrios; pesadas cadeiras, de pés torneados, forradas de couro lavrado, dispostas em círculo, em torno de uma mesa de pau santo, ornava apenas um canto da sala imensa. Neste canto, onde se agrupavam a família e os convidados, havia uma profusa iluminação. O resto da sala ficava perdido na sombra. De vez em quando surgiam d'esse fundo escuro os criados que vinham fazer algum serviço. O toque da campainha não parecia que os chamava, parecia que os evocava. Saíam de súbito da penumbra, como se surgissem do chão. O aspecto da casa era, portanto, o mais lendário que podia imaginar-se.
A conversação prolongará -se ainda depois do chá! Um médico, que residia em Alpedrinha, para onde viera, não exercer a clínica, mas tratar da sua própria saúde, arruinada, em proveito da saúde dos outros, homem de espírito fino e amável, fôra quem sustentará principalmente a palestra, ajudado por um sr. Lucio Valença, escritor de certa aura, e caçador intrépido, e por uma filha dos viscondes, gentil menina, sympathique, alegre e desembaraçada, que, apesar de ter vivido sempre em Castello-Branco, e de ter ido apenas uma ou duas vezes a Lisboa, não tinha nenhum dos acabamentos tradicionais das provincianas de romance.
A pouco e pouco, porém, esmorecer a conversação: pausas cada vez mais amiudadas cortavam a palestra, e o médico já tirara o relógio para vêr se não iam sendo horas de retirada. Mas o visconde da Fragosa estava agarrado, com o comendador Madureira, e alguns vizinhos de campo, a um impertinente boston, e em vista disso ninguém ousava ser o primeiro a tocar a recolher.
Nestes silêncios ouvia-se distintamente o rugir do vento na serra, e os seus gemidos e silvos nos corredores da casa.