Em um pequeno jardim, que se espraia até a beira dos rochedos pendurados sobre o rio, vinham os grupos dos convidados descansar um pouco das polcas e das valsas, respirar, e relancear os olhos pelo delicioso panorama do Tejo, em cujas águas traçava a lua como que uma estrada argêntea. De quando em quando enchia-se o jardim de risos, de segredinhos; a lua iluminava por entre as folhas roupas alvejantes, que passavam flutuando como o véu dos sylphos; depois pelas janelas abertas da sala saía uma bagagem de harmonia, proveniente dos primeiros compassos d'uns lanceiros, os grupos dispersavam-se e engolfavam-se em turbilhão pelas portas de vidraças, e o jardim ficava de novo solitário, mas não silencioso; porque n'ele se escutava o rumorejar da brisa, o eco da música do baile, e o murmúrio do rio que gemia docemente em baixo nas fragas.
Em um dos intervalos das polcas, e quando o jardim se povoava de novo com os fugitivos do baile, um par, mais fatigado talvez que os outros, veio sentar-se numa espécie de caramanchão, que ficava na extremidade do jardim, mais próximo da orla do rochedo, e por conseguinte quase suspenso, como um ninho de gaivotas, sobre as águas. Devo retificar o que disse; não foram ambas as pessoas indispensáveis para formarem um par, não foram ambas as pessoas, que se sentaram; só o fez uma senhora de vinte e cinco anos talvez, alta, elegante, morena e viva, de olhos rasgados e cabelos negros, que cintilavam como o ébano à luz brilhante da lua cheia.
O cavaleiro ficou de pé, apesar de sua gentil companheira lhe ter visivelmente proporcionado um lugar junto de si, como se podia deduzir do modo como aconchegou o vestido, fazendo ocupar a crinolina o menos espaço possível; mas essas piedosas intenções foram perdidas, porque o seu braceiro não ousou percebê-las, e conservou-se, como dissemos, em pé, ainda que os seus olhos ardentes, cravados no rosto da sua companheira, quando esta o não podia ver, denunciavam que não era a indiferença que o impedia de aproveitar o favor que se lhe queria conceder.
E contudo esse tímido moço estava na idade em que esses favores se ambicionam com mais ardor do que aos trinta e cinco anos a pasta de ministro, estava na idade em que se devaneiam escadas de seda flutuando ao sopro das auras, serenatas interrompidas por um amante cioso, amores aventurosos, mil perigos a atravessar para se obter um sorriso, uma flor, uma palavra, na idade feliz em que se inveja Leandro só ao pensar quantas vezes se teria acendido o farol de Hero antes da terrível noite, em que a morte, envolta em horrendas vagas, segundo a admirável expressão de Bocage, arrojou um cadáver lívido aos pés da torre, em que ainda não expirara o eco dos beijos da antecedente noite.
E o tímido rapaz alisava a luva branca, e procurava com frenesi uma palavra qualquer, que lhe não ocorria em presença dessa formosa senhora, cujos pés desejava beijar; e pensava que imensa felicidade não seria a sua, se em vez de estar sem ânimo, embaraçado e vermelho, diante dela, estivesse na outra margem do Tejo, e tivesse que o atravessar a nado para cair ofegante e exânime junto desse adorado vulto. Então não seria necessário falar; a sua palidez, os seus olhos cheios de amor diriam tudo, e muito infeliz seria, se a nova Hero, vendo-o ensopado por causa dela, lhe não dissesse alguma coisa que lhe desembaraçasse a língua, e partisse o gelo, que se interpunha obstinadamente a dois corações, que ansiavam por se unir.
A gentil senhora esteve um instante olhando para ele com um sorriso meio despeitado, meio zombeteiro, e afinal, vendo que a malfadada luva branca ainda não parecia suficientemente alisada, meneou a cabeça com um gesto encantador, que fez ondular as suas tranças negras, e que espalhou na atmosfera um aroma inebriante, aspirado com delícias pelo tímido moço. Depois voltou os olhos para o rio, encostou a face à mão enluvada, e ficou-se a contemplar esse quadro magnífico.
A noite estava linda, uma destas noites de luar, como o cálido estio as envia aos países meridionais. No céu de um azul suavíssimo, algumas nuvens, volteando em torno da lua, recortadas em mil arabescos pela brisa noturna, embebidas todas no cândido fulgor do astro da noite, pareciam as maravilhosas rendas do véu luminoso que Phoebe arrasta pelo firmamento, em noites assim lânguidas e serenas. O Tejo desenrolava a sua imensa toalha líquida, prateada no centro pelo luar, e negra junto do cais, ou à sombra dos mastros dos navios imóveis nos ancoradouros. Ao longe Lisboa avultava, espraiando a sua casaria à beira do rio, e pelas faldas das suas sete colinas. As longas fileiras dos seus candeeiros de gás formavam à borda do Tejo como que uma fita de chamas. Alguns barcos de pescadores deslizaram silenciosamente, soltando ao sopro da brisa as suas velas brancas. Este panorama, que só tem rivais na baía de Nápoles ou na enseada de Constantinopla, devia fascinar quem o contemplasse, como a gentil senhora em quem falamos, do caramanchão de um jardim, cheio de árvores, onde expiravam os últimos ecos de uma valsa, onde o luar, quando se pôr entre as folhas, lutava com os luminosos reflexos, que dimanam dos lustres, cintilantes nas salas.
Parecia ela efetivamente toda absorvida na sua contemplação, quando a voz trêmula e profundamente comovida do seu jovem companheiro a fez estremecer.
Em um dos intervalos das polcas, e quando o jardim se povoava de novo com os fugitivos do baile, um par, mais fatigado talvez que os outros, veio sentar-se numa espécie de caramanchão, que ficava na extremidade do jardim, mais próximo da orla do rochedo, e por conseguinte quase suspenso, como um ninho de gaivotas, sobre as águas. Devo retificar o que disse; não foram ambas as pessoas indispensáveis para formarem um par, não foram ambas as pessoas, que se sentaram; só o fez uma senhora de vinte e cinco anos talvez, alta, elegante, morena e viva, de olhos rasgados e cabelos negros, que cintilavam como o ébano à luz brilhante da lua cheia.
O cavaleiro ficou de pé, apesar de sua gentil companheira lhe ter visivelmente proporcionado um lugar junto de si, como se podia deduzir do modo como aconchegou o vestido, fazendo ocupar a crinolina o menos espaço possível; mas essas piedosas intenções foram perdidas, porque o seu braceiro não ousou percebê-las, e conservou-se, como dissemos, em pé, ainda que os seus olhos ardentes, cravados no rosto da sua companheira, quando esta o não podia ver, denunciavam que não era a indiferença que o impedia de aproveitar o favor que se lhe queria conceder.
E contudo esse tímido moço estava na idade em que esses favores se ambicionam com mais ardor do que aos trinta e cinco anos a pasta de ministro, estava na idade em que se devaneiam escadas de seda flutuando ao sopro das auras, serenatas interrompidas por um amante cioso, amores aventurosos, mil perigos a atravessar para se obter um sorriso, uma flor, uma palavra, na idade feliz em que se inveja Leandro só ao pensar quantas vezes se teria acendido o farol de Hero antes da terrível noite, em que a morte, envolta em horrendas vagas, segundo a admirável expressão de Bocage, arrojou um cadáver lívido aos pés da torre, em que ainda não expirara o eco dos beijos da antecedente noite.
E o tímido rapaz alisava a luva branca, e procurava com frenesi uma palavra qualquer, que lhe não ocorria em presença dessa formosa senhora, cujos pés desejava beijar; e pensava que imensa felicidade não seria a sua, se em vez de estar sem ânimo, embaraçado e vermelho, diante dela, estivesse na outra margem do Tejo, e tivesse que o atravessar a nado para cair ofegante e exânime junto desse adorado vulto. Então não seria necessário falar; a sua palidez, os seus olhos cheios de amor diriam tudo, e muito infeliz seria, se a nova Hero, vendo-o ensopado por causa dela, lhe não dissesse alguma coisa que lhe desembaraçasse a língua, e partisse o gelo, que se interpunha obstinadamente a dois corações, que ansiavam por se unir.
A gentil senhora esteve um instante olhando para ele com um sorriso meio despeitado, meio zombeteiro, e afinal, vendo que a malfadada luva branca ainda não parecia suficientemente alisada, meneou a cabeça com um gesto encantador, que fez ondular as suas tranças negras, e que espalhou na atmosfera um aroma inebriante, aspirado com delícias pelo tímido moço. Depois voltou os olhos para o rio, encostou a face à mão enluvada, e ficou-se a contemplar esse quadro magnífico.
A noite estava linda, uma destas noites de luar, como o cálido estio as envia aos países meridionais. No céu de um azul suavíssimo, algumas nuvens, volteando em torno da lua, recortadas em mil arabescos pela brisa noturna, embebidas todas no cândido fulgor do astro da noite, pareciam as maravilhosas rendas do véu luminoso que Phoebe arrasta pelo firmamento, em noites assim lânguidas e serenas. O Tejo desenrolava a sua imensa toalha líquida, prateada no centro pelo luar, e negra junto do cais, ou à sombra dos mastros dos navios imóveis nos ancoradouros. Ao longe Lisboa avultava, espraiando a sua casaria à beira do rio, e pelas faldas das suas sete colinas. As longas fileiras dos seus candeeiros de gás formavam à borda do Tejo como que uma fita de chamas. Alguns barcos de pescadores deslizaram silenciosamente, soltando ao sopro da brisa as suas velas brancas. Este panorama, que só tem rivais na baía de Nápoles ou na enseada de Constantinopla, devia fascinar quem o contemplasse, como a gentil senhora em quem falamos, do caramanchão de um jardim, cheio de árvores, onde expiravam os últimos ecos de uma valsa, onde o luar, quando se pôr entre as folhas, lutava com os luminosos reflexos, que dimanam dos lustres, cintilantes nas salas.
Parecia ela efetivamente toda absorvida na sua contemplação, quando a voz trêmula e profundamente comovida do seu jovem companheiro a fez estremecer.