Dois anos depois. Tarde de Agosto. Ao longe, fechando o horizonte que a eira dominava, as arestas dos montes quebravam-se numa sombra igual, e embaciam ainda o poente as suaves, brandas pulverizações douradas da última luz do sol. Riscos vermelhos de nuvens, como grandes vergas de ferro levadas ao rubro, destacavam imóveis num fundo verde-mar, esvaecido e meigo, raiado de listões de uma coloração leve de laranja. Pequenos algodões transparentes, com alvuras de neve, cortavam aqui e além, alegremente, a monotonia profunda do azul. Num destilado, sob os castanheiros próximos, surgiam os telhados da aldeia, a torre branca da igreja, as paredes caiadas da escola.
A vasta eira comum, levemente acidentada, apresentava àquela hora o aspecto tranquilo e de paz de uma grande oficina em repouso. Poucas
"medas", iam no fim as colheitas: mais uma semana, duas quando muito, e
estaria tudo recolhido. Já sobre a palha das parvas ou ao sopé das médias altas, entre os utensílios da trilha e a criançada estrídula que brincava, os da lavoura descansavam - vermelhos da soalheira intensa de todo o dia, alguns deitados, em mangas de camisa, peito nu, arregaçados os braços musculosos, numa prostração regalada de matilha que alfim tem a sua hora de sossego, após um dia de caçada. Parecem prostrados da fadiga os próprios olhos, os trilhos, as pás, os balaios que levaram todo o santo dia varrendo o chão em volta das parvas. E aqui e ali, dando uma sensação agradável de fartura, perfilam-se os autos sacos no meio das rasas, extravasando de grão. Além, gente em mangas de camisa, ao redor de um grande montão de palha triturada, vai limpando - visto que sopra um ventinho. E sente-se sobre as pás a chuva do grão, ao mesmo tempo que a palha, voando, faz monte da outra banda, e os
"baleiros", em mãos de mulheres, não cessam de arrebanhar o grão,
varrendo em roda num afã... Em certo ponto, carros vazios; um além, de altíssimas aguarelas, vai-se enchendo de palha; enquanto outros, atulhados de sacos, em rimas entre as cancelas mais baixas, estridulante chiando abalam para as tulhas, levados pelos bois gigantes.
Eiras além, livres dos trilhos que ficavam em cima da palha, levas de bois caminhavam vagarosamente, as largas orelhas pendentes, caudas oscilantes afagando nas ancas espaçosas o luzidio pêlo. E lá vão encosta abaixo, roçando pelos troncos ásperos dos castanheiros a enorme corpulência, fartar o largo bandulho à serena água das ribeiras, sorvendo vagarosamente, limpando a cada sorvo, pesadamente, monotonamente, parece que insaciáveis no meio da água em que se atolam, submissa...
Ao fundo da eira, rente aos castanheiros escuros, um rancho de mulheres cantava alegremente, em coro. Acabara de ensacar-se o último grão da farta colheita do Tomé da Eira.
A vasta eira comum, levemente acidentada, apresentava àquela hora o aspecto tranquilo e de paz de uma grande oficina em repouso. Poucas
"medas", iam no fim as colheitas: mais uma semana, duas quando muito, e
estaria tudo recolhido. Já sobre a palha das parvas ou ao sopé das médias altas, entre os utensílios da trilha e a criançada estrídula que brincava, os da lavoura descansavam - vermelhos da soalheira intensa de todo o dia, alguns deitados, em mangas de camisa, peito nu, arregaçados os braços musculosos, numa prostração regalada de matilha que alfim tem a sua hora de sossego, após um dia de caçada. Parecem prostrados da fadiga os próprios olhos, os trilhos, as pás, os balaios que levaram todo o santo dia varrendo o chão em volta das parvas. E aqui e ali, dando uma sensação agradável de fartura, perfilam-se os autos sacos no meio das rasas, extravasando de grão. Além, gente em mangas de camisa, ao redor de um grande montão de palha triturada, vai limpando - visto que sopra um ventinho. E sente-se sobre as pás a chuva do grão, ao mesmo tempo que a palha, voando, faz monte da outra banda, e os
"baleiros", em mãos de mulheres, não cessam de arrebanhar o grão,
varrendo em roda num afã... Em certo ponto, carros vazios; um além, de altíssimas aguarelas, vai-se enchendo de palha; enquanto outros, atulhados de sacos, em rimas entre as cancelas mais baixas, estridulante chiando abalam para as tulhas, levados pelos bois gigantes.
Eiras além, livres dos trilhos que ficavam em cima da palha, levas de bois caminhavam vagarosamente, as largas orelhas pendentes, caudas oscilantes afagando nas ancas espaçosas o luzidio pêlo. E lá vão encosta abaixo, roçando pelos troncos ásperos dos castanheiros a enorme corpulência, fartar o largo bandulho à serena água das ribeiras, sorvendo vagarosamente, limpando a cada sorvo, pesadamente, monotonamente, parece que insaciáveis no meio da água em que se atolam, submissa...
Ao fundo da eira, rente aos castanheiros escuros, um rancho de mulheres cantava alegremente, em coro. Acabara de ensacar-se o último grão da farta colheita do Tomé da Eira.