Imaginai que, subterrâneo e distante, vos corre sob os pés um regato, e
donde em onde a terra se abre em bocas de verdura, falando o refrescante
murmúrio das águas profundas.
Assim são os Poetas.
A nossa alma é como velho arco de ponte, sob o qual flui o rio do tempo,
levando no seu curso as verduras da terra e as luzes do firmamento,
cabelos corredios de algas e filamentos luminosos de mundos, flôres das
margens e cometas do Infinito.
De quando em quando, da nossa própria alma tombam flôres mortas que o
tempo leva e vai sumindo na imensidade da Distância.
Voltarão a passar sob a mesma ponte os brancos corpos de Ofélias, que
se afastaram, fluindo na algidez do luar?
Qual o rio que, atravessando os mundos, os traga cinturados e
reflectidos a repassarem as mesmas viagens, a repetirem o milagre do
encontro?
A Memória.
Esse o grande rio do tempo regressando à origem, como peregrino que
fôsse a ver o mundo e ao lar doméstico voltasse, cabelos e alma empoados
das flôres dos caminhos, rebrilhantes das pedrarias da terra e das
cósmicas poeiras das alturas.
Mas a Memória é onda dum mar transcendente, que só conhecemos pelo seu
aromático desenho na praia que nós somos e onde ela vêm a morrer em
corpo de misterioso e estonteante perfume.
Longe de nós, fora do nosso Espaço, nas dimensões que nos são vedadas,
nasce esse Mar; o fluxo e refluxo das suas águas desenha em nossos
cérebros linhas de memória, que se apagam e destroem, mal seguras do
instante em que fulguram.
A vaga brilhou instantânea e logo outra vaga de memória fez o
esquecimento da primeira.
A consciência flui adormecida e às escuras, mal entrevendo os
esporádicos clarões dessa Memória, que à semelhança da fosforescência
dos nossos Oceanos só de longe a longe iluminam o negrume da vaga.
E toda a Vida é uma luta, um drama, um combate, um permanente esforço
para segurar a instantânea luz da Memória, vaga dum mar de Outra-Vida,
aflorando subtil a praia que nós somos...
A realidade é esse combate, levado a planos diferentes, e somente
vitorioso pela audácia dos Argonautas que se aventuram no grande Oceano
da Memória que, espontaneamente, em catadupas jorra do infinito coração
divino.
Os Argonautas do Mistério são os sábios, os poetas e os santos.
Debrucemo-nos com êles no arco da velha ponte e vejamos o mundo que passa.
O Universo passa, o tempo corre e nas suas águas precipitam-se as flôres
marginais, correm reflectidos os mundos e os sóis.
O Poeta ouve o murmúrio que transita, fixa o instante fugitivo, e como
em chapa de aço candente as águas que recebe no peito são asas de névoa,
ascensão e fulgor, caindo no Mar transcendente da Memória em perfeito e
luminoso corpo de eternidade.
E assim o Poeta eterniza o instante... e assim o Poeta ergue à
Consciência os mais incoercíveis movimentos da alma, e assim o Poeta
filtra no episódio a sua parte de eternidade, eleva sôbre os indivíduos
transitórios a fisionomia espiritual das Pátrias, da Humanidade e Deus.
O Poeta gera o Sábio e o Santo.
O Santo é o homem do plano superior voluntariamente dado em sacrifício
para que a luz divina, que o consome, guie e exaltam os homens à
transcendência de uma vida superior.
O fogo purifica as podridões, a dor faz do sofrimento quotidiano uma
coluna de fogo apontando os novos destinos e rumos.
O Santo vive, na labareda do momento, o incêndio da eternidade.
Dá o seu corpo ao sacrifício para que, no vazio que se fórma, as ondas
da Memória se insinuam e aumentem o seu contacto com a terra, para que
os abraços dessas ondas se alarguem e cinjam todas as almas súplices.
O Santo é o Poeta praticante, as suas Canções penetram-lhe e modelam os
lábios, são seres vivos caminhando, humildes e amorosos, a cuidar as
chagas que, em nós, fizeram as mordeduras da Morte.
O Sábio é o Poeta vagaroso: debruçado sobre a ponte, não vai em
companhia das vidas que fogem a cercá-las das águas da Memória para que
vivam e se não percam, espera que regressem e na repetição do que passou
vê a grande unidade convivente de tudo o que existe. Procura a
identidade que une os seres, espera na repetição o reaparecimento do
que transita. A sua luta pela Consciência é a mais humilde e serena.
A consciência científica é cheia de abdicação do que é propriamente
humano, comovida de respeito pela Unidade social do Universo.
O ascetismo do sábio, feito da possível abdicação dos planos superiores,
leva-o à mais completa companhia com as realidades do seu plano. O
seu esforço para a consciência é o mais vigoroso esforço para fixar o
desenho das vagas da Memória, sem a aventura argonáutica de deixar a
praia em demanda do grande Oceano que a beija.
Mas aquelas partes da ciência, que são as fontes que a alimentam, os
núcleos de invenção, são ainda o mergulho duma alma nas mais altas marés
do grande Oceano da Memória.
O sábio criador é ainda e sempre o Poeta.
donde em onde a terra se abre em bocas de verdura, falando o refrescante
murmúrio das águas profundas.
Assim são os Poetas.
A nossa alma é como velho arco de ponte, sob o qual flui o rio do tempo,
levando no seu curso as verduras da terra e as luzes do firmamento,
cabelos corredios de algas e filamentos luminosos de mundos, flôres das
margens e cometas do Infinito.
De quando em quando, da nossa própria alma tombam flôres mortas que o
tempo leva e vai sumindo na imensidade da Distância.
Voltarão a passar sob a mesma ponte os brancos corpos de Ofélias, que
se afastaram, fluindo na algidez do luar?
Qual o rio que, atravessando os mundos, os traga cinturados e
reflectidos a repassarem as mesmas viagens, a repetirem o milagre do
encontro?
A Memória.
Esse o grande rio do tempo regressando à origem, como peregrino que
fôsse a ver o mundo e ao lar doméstico voltasse, cabelos e alma empoados
das flôres dos caminhos, rebrilhantes das pedrarias da terra e das
cósmicas poeiras das alturas.
Mas a Memória é onda dum mar transcendente, que só conhecemos pelo seu
aromático desenho na praia que nós somos e onde ela vêm a morrer em
corpo de misterioso e estonteante perfume.
Longe de nós, fora do nosso Espaço, nas dimensões que nos são vedadas,
nasce esse Mar; o fluxo e refluxo das suas águas desenha em nossos
cérebros linhas de memória, que se apagam e destroem, mal seguras do
instante em que fulguram.
A vaga brilhou instantânea e logo outra vaga de memória fez o
esquecimento da primeira.
A consciência flui adormecida e às escuras, mal entrevendo os
esporádicos clarões dessa Memória, que à semelhança da fosforescência
dos nossos Oceanos só de longe a longe iluminam o negrume da vaga.
E toda a Vida é uma luta, um drama, um combate, um permanente esforço
para segurar a instantânea luz da Memória, vaga dum mar de Outra-Vida,
aflorando subtil a praia que nós somos...
A realidade é esse combate, levado a planos diferentes, e somente
vitorioso pela audácia dos Argonautas que se aventuram no grande Oceano
da Memória que, espontaneamente, em catadupas jorra do infinito coração
divino.
Os Argonautas do Mistério são os sábios, os poetas e os santos.
Debrucemo-nos com êles no arco da velha ponte e vejamos o mundo que passa.
O Universo passa, o tempo corre e nas suas águas precipitam-se as flôres
marginais, correm reflectidos os mundos e os sóis.
O Poeta ouve o murmúrio que transita, fixa o instante fugitivo, e como
em chapa de aço candente as águas que recebe no peito são asas de névoa,
ascensão e fulgor, caindo no Mar transcendente da Memória em perfeito e
luminoso corpo de eternidade.
E assim o Poeta eterniza o instante... e assim o Poeta ergue à
Consciência os mais incoercíveis movimentos da alma, e assim o Poeta
filtra no episódio a sua parte de eternidade, eleva sôbre os indivíduos
transitórios a fisionomia espiritual das Pátrias, da Humanidade e Deus.
O Poeta gera o Sábio e o Santo.
O Santo é o homem do plano superior voluntariamente dado em sacrifício
para que a luz divina, que o consome, guie e exaltam os homens à
transcendência de uma vida superior.
O fogo purifica as podridões, a dor faz do sofrimento quotidiano uma
coluna de fogo apontando os novos destinos e rumos.
O Santo vive, na labareda do momento, o incêndio da eternidade.
Dá o seu corpo ao sacrifício para que, no vazio que se fórma, as ondas
da Memória se insinuam e aumentem o seu contacto com a terra, para que
os abraços dessas ondas se alarguem e cinjam todas as almas súplices.
O Santo é o Poeta praticante, as suas Canções penetram-lhe e modelam os
lábios, são seres vivos caminhando, humildes e amorosos, a cuidar as
chagas que, em nós, fizeram as mordeduras da Morte.
O Sábio é o Poeta vagaroso: debruçado sobre a ponte, não vai em
companhia das vidas que fogem a cercá-las das águas da Memória para que
vivam e se não percam, espera que regressem e na repetição do que passou
vê a grande unidade convivente de tudo o que existe. Procura a
identidade que une os seres, espera na repetição o reaparecimento do
que transita. A sua luta pela Consciência é a mais humilde e serena.
A consciência científica é cheia de abdicação do que é propriamente
humano, comovida de respeito pela Unidade social do Universo.
O ascetismo do sábio, feito da possível abdicação dos planos superiores,
leva-o à mais completa companhia com as realidades do seu plano. O
seu esforço para a consciência é o mais vigoroso esforço para fixar o
desenho das vagas da Memória, sem a aventura argonáutica de deixar a
praia em demanda do grande Oceano que a beija.
Mas aquelas partes da ciência, que são as fontes que a alimentam, os
núcleos de invenção, são ainda o mergulho duma alma nas mais altas marés
do grande Oceano da Memória.
O sábio criador é ainda e sempre o Poeta.