Texto - "Vasco da Gama" David Corazzi

feche e comece a digitar
Entre as causas que despertaram o ânimo e brio dos portugueses para se abalançar à empresa dos descobrimentos, podem apontar-se como principais: o desejo de dilatar a fé cristã em todo o mundo conhecido; a sede de glória e de renome; a ambição de granjear fortuna conduzindo para o reino as especiarias, o ouro e pedras preciosas em que abundam as regiões orientais; e a curiosidade de desvendar os segredos da natureza aquelas remotíssimas paragens.

E não se julgue que as navegações do século XV foram iniciadas sem plano, sem destino. Pelo contrário. Os nossos intrépidos mareantes levavam a sua rota já marcada, e não levantavam ferro sem se aperceberem de todos os conhecimentos e aparelhos necessários ao cosmograph. A cultura intelectual do povo português atingira o grau de desenvolvimento bastante grande para acompanhar o movimento científico e literário das mais adiantadas nações da Europa, e com as suas viagens naquela época teve principio a história verdadeira das navegações ao longo da África. Até ali tudo é vago, indeciso, fabuloso.

Portugal estava mais próximo, que nenhum outro povo, do litoral africano; tinha já tomado Ceuta; dobrara o cabo Bojador; e sabia, em virtude da passagem do cabo da Boa Esperança, que existia comunicação entre o Atlântico e o mar das Índias. Por tudo isto nutria no peito a generosa aspiração de levar o nome da pátria e do filho de Maria aos países em que nasce a aurora. Tal era o desejo, a vontade nacional. Ora, sempre que um povo nutre uma ideia grandiosa, surge de entre a multidão um grande homem, o qual é - porque assim digamos - a personalização do sentimento popular. Esse grande homem, esse representante da vontade única de todos os portugueses foi Vasco da Gama.

Afirmam os cronistas que ele nasceu em Sines, e que teve por pais a Estêvão da Gama e Isabel Sodré; e ainda que pouco escrevam, d'onde possamos inferir como correrá a sua infância e puerícia, é contudo fácil presumir que principiou a sua carreira nos mares da África, e que sendo encarregado de negócios importantes, deles se desempenhou a contento do seu rei. A biografia de Vasco da Gama só é clara quando el-rei D. Manuel o escolheu para levar a cabo a empresa que sonhara. O fato de haver sido eleito pelo monarca afortunado bem mostra que o Gama era navegante experimentado, e de ânimo feito e capaz de grandes cousas. E assim acontecia. Entre as qualidades que lhe adornavam o espírito, avultavam a energia com que exercia o mando, a constancia nos designios, e a inflexibilidade na administração da justiça.

Assomado de gênio, cometeu atrocidades, é certo; mas, se ao lermos a descrição de suas inclemências e durezas, nos lembrarmos das circunstâncias em que foram praticadas, veremos que muitas, se não todas, ditou-as a necessidade de manter a disciplina, ou de domar a aspereza dos inimigos.

Tendo Vasco da Gama aceitado a espinhosa comissão, aperceberam-se os três navios construídos expressamente para ela: S. Gabriel, S. Rafael e S. Miguel. No primeiro arvorou Vasco da Gama o pendão de comandante; ao segundo deu por capitão seu irmão Paulo da Gama; e o terceiro, conhecido pela alcunha de Berrio, ficou sob as ordens de Nicolau Coelho.

Nada faltava à expedição. Abundância de mantimentos, boa artilharia, velame de sobressalente, médico, botica, presentes para os reis em cujos domínios aportasse, tudo se preparou. A armada partiu do Tejo a 8 de julho de 1497 por entre as saudações e as lágrimas da numerosa multidão, que fluirá á praia do Restelo.

Depois de avistar as Canárias, e de fazer aguada na ilha de Santa Maria, arquipélago de Cabo Verde, seguiu Vasco da Gama para o cabo da Boa Esperança. Começaram os trabalhos e os perigos. Desencadearam-se furiosas as tempestades ameaçando submergir a armada inteira, e a esta luta incessante com os elementos juntava-se a insubordinação dos tripulantes, que não queriam continuar a viagem. Serenadas as tormentas e sufocada a insurreição, chegou a frota no dia 8 de novembro á Bahia que tem por nome Angra de Santa Helena.