Texto - "Algumas lições de psicologia e pedologia" António Aurélio da Costa Ferreira

feche e comece a digitar
A arte de educar é fundamentalmente a arte de regular a conduta presente
e futura dos que se têm de educar. Implica forçosamente o conhecimento
da conduta, das causas dela, do seu mecanismo e das possibilidades que o
indivíduo oferece. A arte de educar assenta como a arte de curar, na
anatomia e na fisiologia e assim como o médico, médico que tenha de
exercer a profissão, tem não só de conhecer as doenças e os remédios,
mas também conhecer os doentes e encontrar as indicações, assim também o
educador, que tenha de educar, tem não só de conhecer os fins da
educação e os meios da educação, a pedagogia e a metodologia, mas também
de saber conhecer o educando e encontrar a fórma de educação que mais
lhe convenha e se adapte ao seu feitio. E assim como para o estudo do
doente não basta conhecer os sintomas das doenças, porque é necessário
sabê-los observar, assim também não basta ao educador conhecer os
fenómenos da educação, a psicologia, mesmo que esta tenha a feição
moderna e científica, e se chame psico-fisiologia e psicologia
experimental, é necessário também principalmente possuir a técnica da
observação e da experimentação. Saber psicologia pode não ser saber
fazer psicologia, como saber quais os sintomas das doenças pode não ser
saber observá-los e fazer diagnóstico.

Ensinar num curso prático de psicologia experimental, que é como
oficialmente se chama o curso que tive a honra de ser chamado a reger,
ensinar neste curso numa Escola Normal, é fundamentalmente ensinar o que
fôr preciso para habilitar os futuros professores a conhecer e praticar
os meios científicos de estudar praticamente os fenómenos mentais, isto
é, possuir as regras e os meios de condicionar êsses fenômenos, por
fórma a que outros os possam observar nas mesmas condições, e
verificá-los.

Educar não é hoje, como noutros tempos se supunha, criar, é
essencialmente orientar. Não é lutar contra a natureza. O educador dos
homens como o educador dos animais, tem que aproveitar as boas
tendências, os talentos, para os enriquecer e desenvolver, como dos
instintos diz o educador e moralista Foerster, falando do ensino dos
animais. E quanto às más tendências, tem que saber inibi-las, ou
sublimá-las. Talvez que nesta altura, para lhes dar uma exacta idea
acerca do valor e possibilidades do ensino e quebrar-lhes preconceitos
que a todos os professores desta Escola pertence o combater, e isto, por
minha parte, na intenção de aproveitar o pretexto de demonstrar que a
arte de educar hoje assenta e quase se confunde com a arte de estudar os
fenómenos psíquicos, com a psico-técnica, talvez que, para isso, não
lhes pudesse de momento aconselhar melhor leitura, como leitura prévia,
do que a do livrinho Criminalidade e Educação, do Sr. Padre António de
Oliveira que não é só, como todos sabem, uma admirável figura de
filântropo, mas, mais do que isso, uma figura notável de educador, com
vocação e larga e valiosíssima experiência.

É preciso que a arte de educar seja como a arte de curar.

É necessário ouvir também o prático, ouvir o que educa, ouvir o que
cura, sobretudo quando sucede como deve ser, que a arte que praticam
seja arte esclarecida pela ciência, e não simples empirismo.

Educar é condicionar intencionalmente as reacções do indivíduo. Educar,
portanto, implica, primeiro do que tudo, o saber estudar as causas e
mecanismo das reacções individuais. E o estudo dessas reações feito
experimentalmente tem o maior interesse e importância para o educador.
Muitas dessas reações são de ordem interna e só o próprio indivíduo as
pode observar directamente, mas essas mesmas são acompanhadas de outras
reacções, acessíveis ao estudo directo dos outros e portanto podem ser
estudadas objectivamente, sem intervenção do exame dos próprios em que
elas se dão. O educador, em resumo, tem de estudar o mecanismo das
reacções individuais e a maneira científica de as condicionar.

De acôrdo com estas ideias, já a dentro da velha Escola Normal, onde tive
a honra de reger durante alguns anos o Curso de Pedologia, o meu
distinto colega naquela e nesta Escola Sr. Professor Dr. Alberto
Pimentel, cujo livrinho de lições lhes aconselho, procurou orientar o
ensino teórico da Psicologia. Eu, por minha parte, completarei esse
trabalho ensinando-lhes a técnica dos estudos psicológicos, segundo essa
orientação.

Disse eu que a psicologia experimental se prende tanto com a arte de
educar, que por vezes até quase se confunde com ela. Não é quase se
confunde, confunde-se até. Em psicologia animal, ramo da psicologia
quase desconhecido entre nós, a psicologia experimental funda-se na
educabilidade, é o próprio exame da educabilidade, é a própria arte da
educação exercida com o fim de estudar os fenómenos e os recursos
mentais do animal.