Texto - "Historia de um beijo" Enrique Pérez Escrich

feche e comece a digitar
Existem na terra criaturas tão bem organizadas, corações tão generosos,
que não necessitam ser correspondidas para amar com toda a sua alma,
para terem gravada em seu coração uma imagem querida.

Estes entes sofrem com o rosto sereno e choram com o sorriso nos
lábios, porque se chora de dois modos: umas vezes deixando correr as
lágrimas, outras recolhendo-se ao coração a queimarem essa bela flôr da
juventude chamada a esperança.

A vida nestes casos é um desejo infinito que se afoga em pranto porque
se vê a felicidade que se deseja rodeada de uma muralha cheia de
impossíveis. Se pudesse conquistar-se a tiro, conhecer-se-iam os nomes
de muitos heróis ignorados.

A incerteza, essa ansiedade da alma que tem o poder de reduzir e
prolongar o tempo segundo o seu capricho, faz-se sempre sujeita à
poderosa magia de uma syllaba. Um sim, ressoa docemente no ouvido do
namorado e tem a encantadora poesia do mês de Maio com os seus perfumes,
as suas flôres, e o harmonioso canto das aves; um não, tem a aridez do
deserto, a melancolia da desgraça, a solidão da morte.

Vou, pois, contar-lhes uma história sentida, um gemido do coração.

Vou dar-lhes a conhecer a protagonista do meu livro e suplico-lhes o
perdão para a fraqueza da sua alma: o coquetismo.

Chama-se Amparo, nome cujas seis letras encerram uma promessa de amor
nunca realizada.

Procurarei pintar com as côres da verdade o seu rosto, formoso como um
sonho da adolescência; a sua fronte radiante como a luz do sol quando
aparece, ao romper do dia, do fundo do mar; os seus olhos claros e
expressivos através dos quaes se lêem todas as impressões da sua alma,
sensível como as harpas das filhas de Sião que vibram ao menor sopro do
zephiro.

Se os impressionam as cenas terríveis, as grandes catastrophes, as
situações inverossímeis, fechem o meu livro, porque em suas páginas só
acharam a história de um coração que se partiu em pedaços.

Ernesto foi para Roma, pensionista do governo hespanhol. Era um rapaz de
25 anos, cheio de vida, de ilusões, um gênio; muitas vezes nos seus
sonhos de pintor julgava igualar-se a Velázquez, Murillo e todos esses
grandes homens que brilham em primeiro lugar na história da pintura
espanhola.

Vivia numa pequena casa nas imediações da Cidade Eterna, a Deusa da
arte; pensando na glória, trabalhando sempre, porque Ernesto era um
sonhador infatigável, o mundo para ele resumia-se nos seus quadros, nos
seus pincéis, na sua paleta.

Nunca amara senão sua mãe, que já tinha morrido, e a glória, que
desejava alcançar.

Coração impressionável, mas adormecido, as mulheres eram para ele como
flores formosas de um jardim.

Numa palavra, Ernesto ainda não tinha encontrado o seu belo ideal, o
perfume da sua alma.

A mulher formosa, para ele, só era uma bela obra onde o grande
artista, que se chama a natureza, derramará os seus mais preciosos
dotes.

Vejam, pois, como a causalidade lhe proporcionou o meio de pagar de um
modo terrível o tributo das almas sensíveis, que é o amor.

Como dissemos, Ernesto habitava uma casinha nas proximidades de Roma.

O atelier, situado na parte que dava para o jardim, recebia a luz de
duas grandes janelas por onde entravam os caprichos e interessantes
braços de algumas trepadeiras.

Era uma tarde do mês de Maio. Ernesto estava retocando uma figura quando
veio o criado dizer-lhe que um cavalheiro e uma senhora desejavam
falar-lhe.