Texto - "Fanny: estudo" Ernest Feydeau

feche e comece a digitar
A casa está situada de esguelha, sobre um cômoro de areia, á orla da
praia, olhando de soslaio o oceano, como desconfiada dele. É uma casa
baixa, de pavimento plano, com um recinto ao rés do chão, um portal,
seis janelas, e uma chaminé de gesso, meio esburacada, no cume do
telhado.

A primeira vez que de longe a vi, caminhando eu através de desertos
cabedelos, tinha ela um tão triste aspecto, que eu senti cerrar-se
o coração. Estava inscrito o desamparo nas largas fendas que
desconjuntaram as paredes, e nas rochas profundas das telhas
desmanteladas. Gemia a porta a cada bulcão do vento que a empatia
contra o gonzo único. Das montanhas aquosas do oceano erguia-se, como um
sudário, a neblina que a envolvia.

Fazia frio. Uma brisa cortante sacudia, silvando o dorso das vagas,
marulhando-as, revolvendo-as, e despedaçando-as. Rolos de areia, de
mistura com entulho, limos e cardos, refluem até à testada da porta. Do
outro lado, à maneira de uma nódoa verde-escura, crescia a erva, que
invadia o antigo jardim.

Uma pobre árvore, vergada sobre a parede, do lado de terra, escassamente
sustentava a ramagem que a ventania furiosa atormentava. Junto á raiz,
conservava apenas alguns restos de folhas dessecadas. Com lamentável
aspecto, se erguia ela, dentre os sacões do vento, mas a goteira de
chumbo, pendida da cornija, e açoitada pelas refregas opostas,
roçando-lhe nas grimpas, desfazia-lhe ás a pedaços.

Eu, ao querer desterrar-me da sociedade, lembrei-me desta abegoaria,
que meu pai me herdara, e era o restante de um casal, já desbaratado. Vim
ali procurar o silêncio e a solidão. Mas não reparei o solar da porta,
nem fiz cultivar o jardim. Deixei as fendas do teto, pelas quais se
coava a chuva; deixei as fendas nas paredes, por onde irrompe o
aspérrimo furacão das noites do outono. Não chumbei o gozo do portal.
Não levantei a goteira de chumbo. Não me ame serei da velha árvore que se
estorcia como um crucificado contra o muro, por que a sorte não se
amiserára de mim.

Instalei-me na sala única sem alterar nada da sórdida mobília. Um
banco de pau foi a minha cadeira; um monte de cisco, revisado pelo mar,
foi o meu leito. Nunca na chaminé se acendeu lume. Nutri-me do pão
negro e duro dos marujos. Bebi água empoçada que me dava a cisterna.

E desde o dia que entrei ali até ao dia em que isto escrevo, nunca mais
saí da casa triste. Prostrado sobre a folhagem dura, sentado no banco
estreito, com os joelhos justapostos, os braços perdidos, as mãos
enclavinhadas, a face descaída, deixei correr os dias indiferentemente.
Como os bois corpulentos, que eu via, na minha infância, ajoelhados
entre as ervagens desertas, eu ruminava o pasto amargoso das minhas
reminiscências.