Texto - "A morte do atleta" António D. Gomes Leal

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Ó heróis! ó heróis! atletas estrangeiros!
viajantes que andam à busca de uma flor
misteriosa e ideal, enérgicos mineiros,
sublimes corações que só sonhamos de amor,
vós talvez morrereis da morte dos guerreiros
um dia, ao pôr do sol, como este gladiador.

Vós talvez morrereis longe da pátria um dia,
longe do amigo seu que viestes á nascença,
longe do parreiral, da árvore sombria,
longe dos laranjais sob que se ama e pensa,
sob uma rocha nua, ou numa praia fria,
longe do vosso deus, longe da vossa crença.

E então erguendo as mãos, como num sonho ardente,
como um vencido, e olhando o Egoísmo, a Ingratidão,
sentindo-vos morrer, inevitavelmente,
lembrando a vossa aldeia, a infância, a multidão,
talvez vos confessar, amarguradamente,
que não achastes nunca, oh! nunca, um coração!

Feliz inda contudo o espírito-poeta!
que neste desabar de um mundo egoísta e mole,
tendo perdido o Amor, a pérola secreta,
os astros dos seu céu, e um peito que o console,
poder inda expirar, assim como um atleta,
- aos pés do seu Ideal, voltado para o sol.

Era uma vez um rijo e enérgico atleta,
forte como os heróis, frio como as espadas.
Ninguém em Roma tinha a barba assim tão preta,
músculos mais viris, pernas mais bem talhadas.
Ninguém tinha esse olhar firme como a lanceta,
estranho como a luz das pedras lapidadas.

As matronas fiéis e as belas virgens brancas
sentiam perturbar as suas noites puras,
recordando o seu talho, o busto, as fortes ancas,
seu perfil excedendo as gregas esculturas,
e os seus braços viris, fortes como alavancas,
belos para apertar a linha das cinturas.

Ninguém amava o sol e as noites rutilantes,
a erva, o mar, a luz, como este saltimbanco!
Ninguém tinha também túnicas mais brilhantes,
mais braceletes de ouro e o olhar de um firme franco!
Os peitos virginais batiam soluçantes
ante o seu busto altivo e o seu pescoço branco.

Vestes e cortesãos, virgem ou messalina,
sentiam, como as mais, as rijas atracções
da energia do sangue e a força masculina
dos seus músculos de aço e rígidos tendões,
ao vê-lo calmo, em pé, e trémula a narina,
dourado, seminu, calçando os histriões.