Texto - "Pérolas e Diamantes" Jacob Grimm e Wilhelm Grimm

feche e comece a digitar
Era uma vez um homem muito rico, mas muito avarento, que tinha como
criado um rapaz honesto e ativo, como não haverá muitos; todas as
manhãs o moço se erguia ao romper da alva e só se deitava ao último
cantar do galo.

Quando havia algum trabalho mais penoso, ante o qual todos recuaram, o
rapaz fazia-o, contente, satisfeito e sem sombra de azedume.

Logo que acabou o primeiro ano de permanência em casa do avarento, que
não estipulará soldada, não recebeu um ceitil de paga, pensando de
si para si que o moço, não tendo dinheiro, não se tentaria com outra
colocação. O rapaz calou-se e continuou a trabalhar como d'antes; ao
cabo de dois anos, o avarento nada deu e o rapaz permaneceu no seu
mutismo.

Ao fim do terceiro ano, o rico, espicaçado pela consciência, meteu a
mão ao bolso para remunerar o fiel criado, mas, raciocinando,
arrependeu-se e tirou a mão vazia. O rapaz exclamou então:

- Patrão serviço três anos o melhor que me foi possível; agora quero
ver mundo e por isso peço que me pague as soldadas que me deve.

- Tens razão - respondeu o rico avarento--fiquei sempre muito satisfeito
com o teu trabalho e a tua boa-vontade, e por isso vou remunerar-te como
mereces. Aqui tens três escudos novos; é um por cada ano que me serviste.

O rapaz, que andava sempre alegre e que era de uma grande
simplicidade no que respeitava a dinheiro, julgou ter recebido uma
fortuna que lhe permitiria viver vida folgada por largos anos.

Disse adeus ao antigo patrão e foi-se embora, atravessando montes e
vales, cantando, saltando e alegre que nem um passarinho.

Ao acercar-se de um monte, viu sair um velhinho muito corcovado que lhe
gritou:

- Olé companheiro, não parecem levar em conta de pesares a tua vida?!

- Que ganho eu em me apoquentar? - retorquiu o moço - Tenho na algibeira a
soldada de três anos de trabalho.

- E a quanto monta essa fortuna?

- A três escudos novinhos, muito luzidios. Olha, sente-os trincolejar,
quando lhes toco com as mãos?

- Ora ouve cá - tornou o gnomo, de bom coração como se vae ver. Eu
estou muito velhinho, e forças para trabalhar já não tenho; tu, que és
novo e forte, estás ainda em bom tempo de ganhares a vida.

O rapaz, que era de boa índole, apiedou-se do velho gnomo e fez-lhe
presente dos três preciosos escudos que tanto prazer lhe davam.

- Como és esmoler - expressou-se então o gênio bom em figura de
gnomo - dou-te licença para que me peças três cousas que são a paga dos
teus três escudos.

- Então, pois sim! - fez o rapaz incredulamente - Isto que tu queres fazer
é só do domínio das fantasias para entreter crianças. Mas, enfim,
sempre quero experimentar. Desejo então: uma espingarda que acerte logo
no que eu almeje; um violino que tenha a virtude de forçar a bailar
todos quantos me ouçam; e, finalmente, que toda e qualquer pessoa me
conceda, sem mais aquelas, a graça que eu pedir.

- És modesto no pedir - retrucou o gnomo que, curvando-se, tirou do monte
uma espingarda, e um bonito violino que se podia meter na algibeira.
Aqui tens - continuou o gnomo ao dar-lhes - e fica ciente de que serás
servido sempre na primeira graça que solicitarem.

O rapaz, jovialíssimo, continuou a sua rota. Depois de caminhar um
bocado deparou-se lhe um judeu, muito feio, com barbas de chibo muito
compridas e que estava absorto a ouvir o canto de uma avezinha.