Novamente em terras estranhas, com as velhas malas tisnadas ao sol de mil combates, isto é, cobertas dos rótulos dos caminhos de ferro e dos hotéis, que lhes abrem no couro espesso grandes chagas multicôres; com essas fiéis companheiras que por mim pisaram todo o calvário dos omnibus e dos wagons e sofreram às mãos brutais dos moços de gare, encontro velhas ideias, velhos programas de viagem. Não mudei: a bagagem é ainda a mesma, exterior e interiormente.
A boa ordem e o methodo exigem um programa, exigem que antecipadamente determinemos um fim e um systema. Doutra forma, a viagem não passa de uma dissipação, de elegância ou de vaidade, um regabofe, grandes empresas, grandes aventuras, para escancarar de pasmo a boca dos papalvos. Abrenuntio!
Tenho lido e creio que o inglês e o russo viajam de maneira absolutamente diversa; o inglês vendo tudo, seguindo linha a linha o seu guia, minuciosa e escrupulosamente, e o russo passeando livremente, sem guia e sem tutela, correndo cidades e campos, envolvendo numa espécie particular de indiferença museus e bibliotecas, cathedrales e universidades, monumentos e palácios, toda essa interminável corda com que é costume enforcar a bolsa e a paciência do viajante. Enquanto o inglês procura fatos e impressões desconexos, mas em grande número, o russo procuraria poucas ideas geraes; um atenderia ao número e à quantidade, outro á grandeza e à qualidade.
Não sei até que ponto será exacta a distinção como atributo característico de raça; é certo porém que em geral a podemos considerar verdadeira. A não ser que viajemos com um fim especial, o estudo de uma cultura, de uma arte, de um novo processo industrial, ou qualquer outro, há apenas dois systemas de viajar, extremos de um dos quaes todo o caso particular sempre se aproxima: ou procuramos a abundância e a riqueza de impressões ou um limitado número de aspectos e ideias gerais, pondo de parte os fatos inúteis à sua constituição.
Sobre o valor intellectual dos dois systemas não me parece poder levantar-se dúvida; há toda a distância que vai da simples curiosidade ao pensamento. Um estampa, grava e guarda, no seu estado primitivo, as percepções recebidas; o outro funde, relaciona, e tira um novo produto único resíduo duradouro e útil.
Ora, devo advertir aos que tiveram a paciência de me acompanhar até aqui que desde longos anos me inscrevi na segunda das categorias que esbocei e não abjurou nem espero abjurar a primeira confissão. Temperamentos! Já vê, pois, o leitor o que pode esperar destas breves palestras, escriptas de relógio em punho e sob a respeitável autoridade dos horários do caminho de ferro; nem poderei despertar-lhe transportes de enthusiasmo, em segunda mão, pelos quadros e monumentos notáveis, nem lhe contarei quantos viajantes me acompanhavam, nem como vestiam e dormiam, nem mesmo poderei dizer-lhe, e isso com verdadeira mágoa, se, realmente, nesta parte da Europa que vou percorrer, é lei universal de todas as hospedarias deixar á noite os sapatos à porta do quarto de dormir e encontrar-os de manhã bem lustrosos de graxa. Nada disto terei tempo de dizer-lhe; apenas alguns fatos e ideias muito gerais.
Já temos quanto baste de declarações prévias para que possamos entender-nós; passemos pois à viagem.
A boa ordem e o methodo exigem um programa, exigem que antecipadamente determinemos um fim e um systema. Doutra forma, a viagem não passa de uma dissipação, de elegância ou de vaidade, um regabofe, grandes empresas, grandes aventuras, para escancarar de pasmo a boca dos papalvos. Abrenuntio!
Tenho lido e creio que o inglês e o russo viajam de maneira absolutamente diversa; o inglês vendo tudo, seguindo linha a linha o seu guia, minuciosa e escrupulosamente, e o russo passeando livremente, sem guia e sem tutela, correndo cidades e campos, envolvendo numa espécie particular de indiferença museus e bibliotecas, cathedrales e universidades, monumentos e palácios, toda essa interminável corda com que é costume enforcar a bolsa e a paciência do viajante. Enquanto o inglês procura fatos e impressões desconexos, mas em grande número, o russo procuraria poucas ideas geraes; um atenderia ao número e à quantidade, outro á grandeza e à qualidade.
Não sei até que ponto será exacta a distinção como atributo característico de raça; é certo porém que em geral a podemos considerar verdadeira. A não ser que viajemos com um fim especial, o estudo de uma cultura, de uma arte, de um novo processo industrial, ou qualquer outro, há apenas dois systemas de viajar, extremos de um dos quaes todo o caso particular sempre se aproxima: ou procuramos a abundância e a riqueza de impressões ou um limitado número de aspectos e ideias gerais, pondo de parte os fatos inúteis à sua constituição.
Sobre o valor intellectual dos dois systemas não me parece poder levantar-se dúvida; há toda a distância que vai da simples curiosidade ao pensamento. Um estampa, grava e guarda, no seu estado primitivo, as percepções recebidas; o outro funde, relaciona, e tira um novo produto único resíduo duradouro e útil.
Ora, devo advertir aos que tiveram a paciência de me acompanhar até aqui que desde longos anos me inscrevi na segunda das categorias que esbocei e não abjurou nem espero abjurar a primeira confissão. Temperamentos! Já vê, pois, o leitor o que pode esperar destas breves palestras, escriptas de relógio em punho e sob a respeitável autoridade dos horários do caminho de ferro; nem poderei despertar-lhe transportes de enthusiasmo, em segunda mão, pelos quadros e monumentos notáveis, nem lhe contarei quantos viajantes me acompanhavam, nem como vestiam e dormiam, nem mesmo poderei dizer-lhe, e isso com verdadeira mágoa, se, realmente, nesta parte da Europa que vou percorrer, é lei universal de todas as hospedarias deixar á noite os sapatos à porta do quarto de dormir e encontrar-os de manhã bem lustrosos de graxa. Nada disto terei tempo de dizer-lhe; apenas alguns fatos e ideias muito gerais.
Já temos quanto baste de declarações prévias para que possamos entender-nós; passemos pois à viagem.