Texto - "Miniaturas Romanticas" S. de Magalhães Lima

feche e comece a digitar
Molemente reclinada em flácida alfombra, Leonor, parece, contudo,
indiferente às doçuras deste panorama, e ao brilho da sua divina poesia.
Em que cismava aquele anjo de pudor?... Que fatal magnetismo a arrastara
ali?

Ninguém o poderá dizer. Ao certo só sabemos que a sua alma, cheia de
sublime poesia, procurava instintivamente aquela solidão, como que
agrilhoada pela necessidade inata de fugir ao mundo e aos seus encantos.

Leonor chegara do Brasil havia poucos meses. Cecília, sua mãe, vendo-se
viúva, com este único tesouro das suas entranhas, para logo tratará de
alugar casa em Benfica, não só por ser esse o lugar da sua naturalidade,
senão também pelo desejo de satisfazer às reiteradas instâncias de sua
filha, que desde muito aborrecia a cidade. Ali viviam aqueles dois anjos
uma vida beatífica, alentados pela mútua esperança, e identificados pelos
poderosos laços do amor.

Leonor, no dia em que a encontrámos, completara vinte anos: tinha,
portanto, atingido essa idade sublime e misteriosa, mormente para a
mulher, que, elegíaca por condição, sente o vácuo da sua existência,
arrojando-se loucamente às ondas do amor, talvez, pela natural fragilidade
da sua natureza.

Quem sabe, se nisto divagaria a nossa poetisa, no momento em que a
encontrámos no seu pitoresco jardim?

Uns vislumbres de saudade, de tristeza e melancolia animavam seu rosto
naturalmente pálido. - Aqueles olhos pretos e rasgados, entorpecidos por
uma névoa de languidez, provavam bem quantos e quão perigosos seriam os
pensamentos que se lhe agitavam na mente.

Sua mãe viera pé ante pé, curiosa, sem dúvida, por penetrar no recôndito
daquele coração. Leonor pressentiu-a, e sorriu-se. Cecilia pousou seus
castos lábios na angélica fronte da filha, e nela depositou, com maternal
carinho, o néctar que dimanava de seu extremoso peito. Depois, tomando
entre as suas as mãos daquele pomba, disse:

- Então que tens tu, minha querida filha? Tão triste e solitária no dia de
teus anos! Ora anda: fala francamente a tua mãe.

- Oh! minha querida mãe, quanto lhe sou devedora! Como havia de eu estar
triste, tendo-a aqui ao meu lado? Não vê que sou tão sua amiguinha, e como
já estou tão alegre?

- Por quem és, Leonor, nada me queiras ocultar. Poupa-me a um sacrifício
doloroso, dispensando-me a sinceridade que mereço. Compreendo a tua dor,
como se minha já fosse. Tu amas, bem o sei. Tenho presenciado tudo. Nada me
é estranho.

Leonor corou de involuntário receio, ao ouvir as ternas expressões de sua
mãe, e por alguns minutos permaneceu em cismador enleio, como que
subitamente preocupada por estranho pensamento. Recobrando, porém, a
serenidade, que momentaneamente houvera perdido, prorrompeu nos termos
seguintes:

- É verdade, minha mãe, nada lhe desejo nem posso ocultar. Eu amo meu
primo Maurício. Amo-o com toda a pureza da minha alma, e em todo o fervor
da minha existência. Uma circunstância poderosa veio, com tudo, cavar um
abismo entre nós, e forçar-me a dura colisão, em que, mau grado meu, me
tenho conservado. Foi esse o motivo por que há mais tempo logo não
declarei, intimamente convencida de que a minha bondosa mãe perdoaria mais
uma vez esta falta á sua filhinha, que tanta felicidade lhe deseja.

- Julgas, talvez, que te culpo por isso; antes, pelo contrário, não podia
achar mais acertada a tua escolha. Maurício é um rapaz sério, capaz de te
retribuir o teu afeto, e de desempenhar no futuro a missão de um marido
exemplar.