Texto - "Costumes Madrilenos: Notas de um Viajante" Sebastião de Magalhães Lima

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Leitor amigo, se queres possuir a chave da vida, se queres ter o segredo da existência, aprenda a viajar.

A viagem tem, como todas as coisas deste mundo, a sua pequena filosofia e as suas teorias, mais ou menos complicadas, e os seus progressos mais ou menos notáveis.

Viajar não é uma variedade de sensações apenas, mas ainda mais, e principalmente, uma fonte inesgotável de boa e salutar experiência, um manancial perene de vividos entusiasmos por tudo quanto é belo, novo e original, e uma origem fecunda de análise, de observação e de crítica, que de ordinário raro é de encontrar-se no país onde nascemos, ou na cidade onde residimos.

E assim é realmente que, se tu quiseres admirar a seriedade nos costumes, a robustez no corpo, a soberania na guerra, o metafísico na ciência, o império na família, a fidelidade dos afetos, e a superstição na religião, tu irás à Alemanha.

Se pelo contrário, tu desejas ver a frouxidão no corpo, o indiferentismo em política, a lassidão dos costumes, a perversão nos princípios, a fraqueza na ciência, o teologismo na religião, o lirismo na vida, tu, sem mais trabalhos nem violências, ficarás em Portugal.

Mas se tu, embora não te repugne a debilidade Física e a pusilanimidade de espírito, quiseres o ideal da arte e a Arquitetura da ciência, então procurarás Itália.

Por outro lado ainda, se te impressiona o ruído das palavras, a viveza do olhar, a facilidade dos afetos, a modéstia do trajar, a generosidade do coração, o esplendor do menagem - parte para a Espanha.

Com uma mulher espanhola vive-se bem um mês, num sensualismo delicioso, numa voluptuosidade tépida e numa ardência de amores que nem sempre é vulgar nas outras mulheres do mundo.

Com uma mulher francesa, porém, o espírito não se cansa nunca, nem o coração chega jamais a desesperar e se um século vivêssemos, um século também consagraremos a essas fadas, mais demônios do que anjos, e quase sempre mais amantes do que esposas.

No francês dá-se, a par da elevação da ideia, a agilidade elegante do corpo, a simplicidade maravilhosa do trajar, a delicadeza sem igual da cozinha, a intrepidez risonha dos fatos e das circunstâncias, a atenção magnética das palavras, a originalidade dos costumes.

Com eles contrastam os ingleses, os quais, não obstante serem mutáveis em religião, são, todavia, prudentes nos seus negócios, zelosos na sua vida íntima, afáveis nas maneiras, orgulhosos no trajo e astuciosos na guerra.

Subordinados às circunstâncias, ao tempo e aos lugares, os povos são um resultado do meio em que se acham mergulhados.

O que promoveu a questão do Oriente não foi verdadeiramente a ambição dos monarcas, mas antes o império que a civilização moderna tem direito de exercer sobre tudo e sobre todos.

E por isso a Turquia, como vestígio de barbarismo que ainda é hoje na Europa, foi de há muito condenada à morte e ao ostracismo.

O carácter turco era facilmente dominável, mas por natureza fanático, supersticioso, intolerante - tal qual como as verdades do Alcorão.

Por isso, leitor, embora tu sintas grandes saudades do harém e das Hauris, resigna-te, e deixa de combater pelos turcos.

Que eles e os seus sultões se dignem subir ao sétimo céu de Maomé, e que nos deixem.

Mas, francamente, se tu queres viver pela natureza, se sofres dos pulmões, se és Panteísta, se gostas das borboletas e das flores, se te entusiasmados com os límpidos horizontes das montanhas e dos rios, se és sossegado, melancólico, um tanto nostálgico e triste, escolhe a península, aluga uma casa todos os anos no Buraco, percorre a Andaluzia na primavera, visita as praias, e deixa-te ficar por cá.

Se, porém, não temes os frios do norte, se és audaz, intrépido, valente, corajoso, se amas a ciência e a arte, se não te cansas em subir a uma montanha e em correr num trenó num dia gelado, e por um rio coberto de neve, se gostas da vida, tal como ela deve ser - valorosa, higiênica, e grande, então vai à Suíça, à Alemanha, à Itália, e até mesmo à Rússia, se tanto for da tua vontade.

Convém que façam uma viagem todos os anos na primavera.
Para isso basta apenas, que no teu viver doméstico, no teu gastar quotidiano, tu adquiram uma ciência tão difícil, como rara de conservar-se - a ciência da economia.

No fim de oito ou dez anos, tu sentir-te-ás forte, cheio de crítica, vigoroso na discussão, capaz de entrar em todos os assuntos, que por acaso se ventilam, e susceptível de comparar, entre si, não só todos os países do mundo, mas ainda os homens e as sociedades.

E assim tu terás o dom do historiador, a evidência dos fatos, a observação da natureza e o estudo das cousas em geral.

Eu não quero que tu te faças misantropo, doente, regenerador. Não! Porque sou português, e desejo que tu sejas alegre, feliz, espirituoso, bom amigo, excelente marido e cidadão prestante.

E para isso, para afugentar terrores e negrumes, para que tenhas saúde, vida e amor - é forçoso que tu viajes, que deixes a tua aldeia e as tuas árvores, que arranjes a tua mala, que te despeças dos teus conhecidos e que partas.

Nada de esperas. Quanto mais cedo melhor. O mundo é para quem caminha; e a viagem é como a ciência, também um progresso.

Aqui tens o teu casaco. Cabeça alta e adeus á pátria querida. Cocheiro - açoite nesses cavalos! Para diante. Para diante é que é o caminho.