Ele era o mais distinto, o mais elegante, o mais popular e o mais respeitado dos médicos. Alto, magro, pálido, com as faces ligeiramente avançadas, bigode nevado como os cabelos, não raros, e ainda penteados com distinção, vestindo quase sempre casaca, e trazendo arregaçadas sobre os ombros as lapelas do seu largo paletó alvadio, calçando luva escura, fumando continuamente os melhores charutos de contrabando, tendo uma voz sacudida, firme, sonora, trazendo à flor dos lábios uma amabilidade para cada mulher que encontrava, um dito conceituoso e inocente para cada homem, sabendo festejar as crianças e animar os doentes, sereno, risonho, impávido, chegará a atingir na sociedade uma dessas invejáveis posições de fausto e consideração, sem ressentimentos, sem despeitos, sem malquerenças, enfim.
Toda a gente o conhecia pelo apelido: o doutor Felipe Sullivan.
Ninguém pensou nunca em saber de quem era filho, que parentes ou que ligações de família ele tinha. Vivia só, servido por criados de lenço branco e casca. Apareceu na escola médica como estudante assombroso. Os jornais começaram a falar dos seus brilhantes exames e das suas teses magníficas. Acontece aos nomes o que acontece ao dinheiro. Desde que são lançados à circulação, como qualquer pequena moeda de ouro ou de prata, quem pode saber a que destino terão de chegar? Umas vezes esse nome tem a felicidade de merecer uma apoteose, como certas moedas a de perpetuar uma época esplendorosa na história das civilizações; outras vezes esse nome abisma-se no vasto sorvedoiro dos povos, como certas moedas revolutear nos abismos claríssimos da miséria ou do crime. Mas o nome de doutor Filippe Sullivan estava fadado para o destino glorioso dos homens imortais. Começaram todos os doentes a chamá-lo, a querei-o, a disputa-o, porque ele começou também a não chegar já para a sua glória, - deliciosa contrariedade que acontece a todos os grandes homens nos países pequenos. Toda a gente requer o médico fulano, quando esse médico é distinto como o dr. Felipe Sullivan, e o país é tão pequeno como Portugal; um hábil estadista principia a ser importunado para todas as comissões de serviço público, como um ator notável para todos os espetáculos de beneficência. Em França, na Inglaterra, na Alemanha há médicos especialistas, que tratam apenas moléstias de olhos, de peito ou de coração. Nenhum médico, nesses vastos países, pode ter a felicidade de ser disputado por todos os doentes da sua pátria, e daí vem a necessidade de aplicar-se exclusivamente a um só ramo da sua difícil ciência, para dar na vista, para chegar a entrar nas academias e nos institutos.
No curso do dr. Filippe Sullivan houve rapazes de subido talento, que no dia das ultimas teses se dispersaram remando cada um ao sabor de sua imaginação. Uns fizeram-se medições, unicamente médicos. Outros, para quem a medicina era apenas uma profissão, dedicaram-se ao jornalismo, à política, às finanças, á literatura propriamente dita. Em todos esses espíritos, mais ou menos levantados e instruídos, havia a mais profunda, a mais leal e a mais perdurável adoração pelo dr. Filippe Sullivan. Ele tinha sido presidente de quantas sociedades acadêmicas se constituíram durante o seu curso; ele fora o ardente orador de todos os comícios escolares; o leccionista voluntário e gratuito de todos os companheiros mais destituídos de fortuna ou de inteligência; ele chamará às suas festas de estudante sempre premiado todos os amigos, condiscípulos e contemporâneos; ele adquirira, finalmente, a mais espontânea e a mais firme popularidade com que se pode sair das escolas para entrar na sociedade, por mais difícil que a sociedade seja. Estes homens novos e inteligentes, socialmente distribuídos consoante as suas aptidões naturais, começaram por lembrar ao país que tinham sido amigos ou companheiros desse grande médico que estava destinado a ser uma das primeiras notabilidades do seu tempo e da sua pátria. Então pululavam de toda a parte os livros de ciência, as dissertações, os romances, os folhetins, os versos dedicados a ele, ao dr. Filippe Sullivan, com as mais elegantes e mais ardentes dedicatórias que um rapaz sabe escrever ao entrar na sociedade. A anedota, esta grande mola da celebridade, foi ao encontro do dr. Filippe Sullivan, receosa de que tamanho homem conseguisse imortalizar-se sem o seu velho e pitoresco auxílio. Um dia, numa época em que o doutor fizera cinco ou seis operações tão difíceis como felizes, encontrará à sua porta, no momento de sair de casa, uma elegante equipagem, cuja libré não reconheceu no primeiro momento. Acendendo vagarosamente o seu charuto, o dr. Filippe Sullivan perguntou se aquela carruagem o esperava. Responderam-lhe que era sua. O doutor olhou fito no trem, e viu as iniciais F. S. Ao mesmo tempo descia da boleia o cocheiro e perguntava respeitosamente.
Toda a gente o conhecia pelo apelido: o doutor Felipe Sullivan.
Ninguém pensou nunca em saber de quem era filho, que parentes ou que ligações de família ele tinha. Vivia só, servido por criados de lenço branco e casca. Apareceu na escola médica como estudante assombroso. Os jornais começaram a falar dos seus brilhantes exames e das suas teses magníficas. Acontece aos nomes o que acontece ao dinheiro. Desde que são lançados à circulação, como qualquer pequena moeda de ouro ou de prata, quem pode saber a que destino terão de chegar? Umas vezes esse nome tem a felicidade de merecer uma apoteose, como certas moedas a de perpetuar uma época esplendorosa na história das civilizações; outras vezes esse nome abisma-se no vasto sorvedoiro dos povos, como certas moedas revolutear nos abismos claríssimos da miséria ou do crime. Mas o nome de doutor Filippe Sullivan estava fadado para o destino glorioso dos homens imortais. Começaram todos os doentes a chamá-lo, a querei-o, a disputa-o, porque ele começou também a não chegar já para a sua glória, - deliciosa contrariedade que acontece a todos os grandes homens nos países pequenos. Toda a gente requer o médico fulano, quando esse médico é distinto como o dr. Felipe Sullivan, e o país é tão pequeno como Portugal; um hábil estadista principia a ser importunado para todas as comissões de serviço público, como um ator notável para todos os espetáculos de beneficência. Em França, na Inglaterra, na Alemanha há médicos especialistas, que tratam apenas moléstias de olhos, de peito ou de coração. Nenhum médico, nesses vastos países, pode ter a felicidade de ser disputado por todos os doentes da sua pátria, e daí vem a necessidade de aplicar-se exclusivamente a um só ramo da sua difícil ciência, para dar na vista, para chegar a entrar nas academias e nos institutos.
No curso do dr. Filippe Sullivan houve rapazes de subido talento, que no dia das ultimas teses se dispersaram remando cada um ao sabor de sua imaginação. Uns fizeram-se medições, unicamente médicos. Outros, para quem a medicina era apenas uma profissão, dedicaram-se ao jornalismo, à política, às finanças, á literatura propriamente dita. Em todos esses espíritos, mais ou menos levantados e instruídos, havia a mais profunda, a mais leal e a mais perdurável adoração pelo dr. Filippe Sullivan. Ele tinha sido presidente de quantas sociedades acadêmicas se constituíram durante o seu curso; ele fora o ardente orador de todos os comícios escolares; o leccionista voluntário e gratuito de todos os companheiros mais destituídos de fortuna ou de inteligência; ele chamará às suas festas de estudante sempre premiado todos os amigos, condiscípulos e contemporâneos; ele adquirira, finalmente, a mais espontânea e a mais firme popularidade com que se pode sair das escolas para entrar na sociedade, por mais difícil que a sociedade seja. Estes homens novos e inteligentes, socialmente distribuídos consoante as suas aptidões naturais, começaram por lembrar ao país que tinham sido amigos ou companheiros desse grande médico que estava destinado a ser uma das primeiras notabilidades do seu tempo e da sua pátria. Então pululavam de toda a parte os livros de ciência, as dissertações, os romances, os folhetins, os versos dedicados a ele, ao dr. Filippe Sullivan, com as mais elegantes e mais ardentes dedicatórias que um rapaz sabe escrever ao entrar na sociedade. A anedota, esta grande mola da celebridade, foi ao encontro do dr. Filippe Sullivan, receosa de que tamanho homem conseguisse imortalizar-se sem o seu velho e pitoresco auxílio. Um dia, numa época em que o doutor fizera cinco ou seis operações tão difíceis como felizes, encontrará à sua porta, no momento de sair de casa, uma elegante equipagem, cuja libré não reconheceu no primeiro momento. Acendendo vagarosamente o seu charuto, o dr. Filippe Sullivan perguntou se aquela carruagem o esperava. Responderam-lhe que era sua. O doutor olhou fito no trem, e viu as iniciais F. S. Ao mesmo tempo descia da boleia o cocheiro e perguntava respeitosamente.