O visconde viaja muito.
Conhecia toda a Europa e as costas mediterrâneas da Ásia e da África.
Entrará na vida parisiense conservando todas as suas ilusões, mas possuído do ardente desejo de se humanizar, como ele dizia, de se tornar distinto na distinta sociedade, de que passava a fazer parte.
Carácter firme, sincero, honrado - honrado até á ingenuidade - os seus pensamentos eram puríssimos, e na fisionomia transparecia-lhe sempre o que pensava.
Na sociedade que frequentava, o visconde produzirá primeiro o efeito de um fenômeno, prestando-se ao desfrute, sem dar por isso.
Depois, pouco a pouco, fora-se limpando da sua simplicidade primitiva e tomando pé na encapelada torrente parisiense.
Contudo conservava o fundo de lhaneza natural, que lhe dava um certo cunho de originalidade, e lhe valia um verdadeiro sucesso junto das mulheres, as eternas curiosas.
Tinha poucos ou nenhuns amigos.
O seu nome e a sua fortuna, porém, fizeram com que adquirisse inúmeros conhecimentos na alta roda, onde zombavam, apesar de o estimarem, d'esse retardado da civilização, a quem chamavam formoso bretão e selvagem.
Selvagem era ele seguramente, não porque lhe repugnava o prazer, mas porque, entregando-se aos gozos que constituem meros passatempos, conservar puro o coração.
Sobre o ponto mulheres, absolutamente sem importância para homens que frequentavam a sociedade em que ele vivia, o visconde pensava e procedia contrariamente aos seus companheiros, porque eles tinham os seus amores, e Antonino só poderia ter um amor.
Em poucos meses saborear todos os prazeres possíveis sem se embriagar; estivera exposto a todas as seduções sem ser seduzido.
Não pertencia ao número infinito de inativos, que, segundo a frase do seu compatriota Chateaubriand, atravessam a vida bocejando, e no seu dolente aborrecimento só têm uma ambição e um sonho: divertirem-se.
O visconde possuía solida instrução, falava duas ou três línguas; era um literato e um diletante.
Amava a arte sob todas as suas variadas formas, mas sobretudo era apaixonado pela música.
Por essa razão tornou-se dentro em pouco um dos mais assíduos habitués da Ópera.
A sua cadeira raras vezes ficava vazia.
N'esta época, como já dissemos, brilhava na Opera Laura Linda, estrela de primeira grandeza que eclipsou todas as outras.
Antonino era ardente admirador da diva.
Adorava-lhe a voz e a expressão maravilhosa do canto.
Mas, coisa extraordinária, passará muito tempo sem reparar que Laura era formosa.
Poderia passar dias inteiros a admirar a grande artista interpretando as obras dos mestres, que, se a encontrasse na rua, não voltaria a cabeça para a seguir com o olhar um minuto mais do que a qualquer outra mulher.
De resto, a sua admiração pela cantora jamais se manifestará de forma a dar nas vistas.
Nem um banquete oferecido, nem o menor transporte de entusiasmo.
Limitava-se a aplaudir-a, semelhante ser egoísta do seu enlevo.
Os conhecidos comentavam a seu modo a assiduidade do visconde nas representações em que Laura tomava parte, e o recolhimento quase extático d'ele a partir do momento em que a cantora entrava em cena.
Todos consideravam Antonino apaixonado pela diva.
A primeira vez que uns amigos, por brincadeira, lhe disseram que o julgavam louco por Laura, ele admirou-se, mas nem tentou defender-se, convencido de que os seus interlocutores não compreendiam a que sentimento obedecia.
Limitou-se a concordar, sorrindo, que as aparências justificavam as suspeitas.
Mas a brincadeira produziu no visconde o efeito de uma revelação.
A datar d'esse dia consultou o coração, espiando todos os variados sentimentos que experimentava, perguntando a si próprio se os amigos não tinham, antes d'ele e sem que de tal desconfiasse, dado o nome exato à atração que Laura Linda exercia sobre ele.
A diva, pelo seu lado, repararam naquele espectador que todas as noites, da sua cadeira, a seguia com olhar ardente.
De resto, tinham-lhe apontado o visconde como uma das suas vitimas.
Deixará que lhe contassem tudo que constava do carácter do seu adorador, da reputação de selvageria de que ele gostava, mas não admitirá que Antonino estivesse apaixonado por ela.
Fosse intenção ou simples desejo de ser admirada por aquela forma, Laura quase adivinhava o que o visconde sentia, e agradecia-lhe intimamente a reserva em que ele se conservava, reserva que desagrada a qualquer outra.
Uma noite, - é possível que acabasse de ouvir falar d'ele, - como tinha d'entrar em sena lentamente e em silêncio, Laura fixou o visconde por muito tempo.
Àquele olhar, todos os admiradores da diva se sentiram suplantados pelo formoso bretão.
O visconde, porém, longe de ficar satisfeito, parecia contrariado.
É provável que a cantora percebesse isso, porque muitas vezes durante a noite olhou para o visconde, constatando sempre que o seu olhar, apesar d'inofensivo, produzia n'ele a mesma impressão desagradável.
Até de uma ocasião o visconde levantou os ombros num movimento rápido, como irritado por ela se esquecer por momentos do papel que desempenhava.
Conhecia toda a Europa e as costas mediterrâneas da Ásia e da África.
Entrará na vida parisiense conservando todas as suas ilusões, mas possuído do ardente desejo de se humanizar, como ele dizia, de se tornar distinto na distinta sociedade, de que passava a fazer parte.
Carácter firme, sincero, honrado - honrado até á ingenuidade - os seus pensamentos eram puríssimos, e na fisionomia transparecia-lhe sempre o que pensava.
Na sociedade que frequentava, o visconde produzirá primeiro o efeito de um fenômeno, prestando-se ao desfrute, sem dar por isso.
Depois, pouco a pouco, fora-se limpando da sua simplicidade primitiva e tomando pé na encapelada torrente parisiense.
Contudo conservava o fundo de lhaneza natural, que lhe dava um certo cunho de originalidade, e lhe valia um verdadeiro sucesso junto das mulheres, as eternas curiosas.
Tinha poucos ou nenhuns amigos.
O seu nome e a sua fortuna, porém, fizeram com que adquirisse inúmeros conhecimentos na alta roda, onde zombavam, apesar de o estimarem, d'esse retardado da civilização, a quem chamavam formoso bretão e selvagem.
Selvagem era ele seguramente, não porque lhe repugnava o prazer, mas porque, entregando-se aos gozos que constituem meros passatempos, conservar puro o coração.
Sobre o ponto mulheres, absolutamente sem importância para homens que frequentavam a sociedade em que ele vivia, o visconde pensava e procedia contrariamente aos seus companheiros, porque eles tinham os seus amores, e Antonino só poderia ter um amor.
Em poucos meses saborear todos os prazeres possíveis sem se embriagar; estivera exposto a todas as seduções sem ser seduzido.
Não pertencia ao número infinito de inativos, que, segundo a frase do seu compatriota Chateaubriand, atravessam a vida bocejando, e no seu dolente aborrecimento só têm uma ambição e um sonho: divertirem-se.
O visconde possuía solida instrução, falava duas ou três línguas; era um literato e um diletante.
Amava a arte sob todas as suas variadas formas, mas sobretudo era apaixonado pela música.
Por essa razão tornou-se dentro em pouco um dos mais assíduos habitués da Ópera.
A sua cadeira raras vezes ficava vazia.
N'esta época, como já dissemos, brilhava na Opera Laura Linda, estrela de primeira grandeza que eclipsou todas as outras.
Antonino era ardente admirador da diva.
Adorava-lhe a voz e a expressão maravilhosa do canto.
Mas, coisa extraordinária, passará muito tempo sem reparar que Laura era formosa.
Poderia passar dias inteiros a admirar a grande artista interpretando as obras dos mestres, que, se a encontrasse na rua, não voltaria a cabeça para a seguir com o olhar um minuto mais do que a qualquer outra mulher.
De resto, a sua admiração pela cantora jamais se manifestará de forma a dar nas vistas.
Nem um banquete oferecido, nem o menor transporte de entusiasmo.
Limitava-se a aplaudir-a, semelhante ser egoísta do seu enlevo.
Os conhecidos comentavam a seu modo a assiduidade do visconde nas representações em que Laura tomava parte, e o recolhimento quase extático d'ele a partir do momento em que a cantora entrava em cena.
Todos consideravam Antonino apaixonado pela diva.
A primeira vez que uns amigos, por brincadeira, lhe disseram que o julgavam louco por Laura, ele admirou-se, mas nem tentou defender-se, convencido de que os seus interlocutores não compreendiam a que sentimento obedecia.
Limitou-se a concordar, sorrindo, que as aparências justificavam as suspeitas.
Mas a brincadeira produziu no visconde o efeito de uma revelação.
A datar d'esse dia consultou o coração, espiando todos os variados sentimentos que experimentava, perguntando a si próprio se os amigos não tinham, antes d'ele e sem que de tal desconfiasse, dado o nome exato à atração que Laura Linda exercia sobre ele.
A diva, pelo seu lado, repararam naquele espectador que todas as noites, da sua cadeira, a seguia com olhar ardente.
De resto, tinham-lhe apontado o visconde como uma das suas vitimas.
Deixará que lhe contassem tudo que constava do carácter do seu adorador, da reputação de selvageria de que ele gostava, mas não admitirá que Antonino estivesse apaixonado por ela.
Fosse intenção ou simples desejo de ser admirada por aquela forma, Laura quase adivinhava o que o visconde sentia, e agradecia-lhe intimamente a reserva em que ele se conservava, reserva que desagrada a qualquer outra.
Uma noite, - é possível que acabasse de ouvir falar d'ele, - como tinha d'entrar em sena lentamente e em silêncio, Laura fixou o visconde por muito tempo.
Àquele olhar, todos os admiradores da diva se sentiram suplantados pelo formoso bretão.
O visconde, porém, longe de ficar satisfeito, parecia contrariado.
É provável que a cantora percebesse isso, porque muitas vezes durante a noite olhou para o visconde, constatando sempre que o seu olhar, apesar d'inofensivo, produzia n'ele a mesma impressão desagradável.
Até de uma ocasião o visconde levantou os ombros num movimento rápido, como irritado por ela se esquecer por momentos do papel que desempenhava.