Da mesma maneira que cumpre ter presente a influência da província em que nasceu, e que, na infância, a idade impressionável por excelência, lhe deu aquele amor pela tinta mais própria, ou seja a que os seus olhos receberam diretamente da paisagem; como a sua grande intimidade com a natureza, com quem aprendeu a exprimir-se, e que tão fundamente foi penetrada pelo seu gênio.
De fato, nenhum elemento mais cioso da transmissão do caráter do que a terra. O que Fialho prova, à saciedade, a par dos nossos maiores impressionistas.
Desenvolvemos noutro lugar a índole da zona mais meridional do Alentejo, onde se incluem Cuba e a pequena vila em que nasceu Fialho.
Resulta daquele estudo um campo étnico à parte na geografia íntima de Portugal região embaraçada da herança árabe, que semelhantemente se vê na cultura, nos seus bairros e azulejos, nas suas casas, como nas manifestações mais simples da vida vulgar dos seus habitantes.
Ora Fialho, que ali passou parte da infância jamais destruirá a recordação do primeiro espetáculo natural que feriu a sua retina de colorista, e, depois, pela vida fora, mais se lhe foi insinuando pela mesma fatalidade de sangue e nascimento que á sua terra o prendia. É isto, apesar da herança de tristeza que também desta lhe provinha, e a que se refere, ainda sordidamente, anos depois da sua estada ali, no capítulo autobiográfico do Á Esquina.
De fato, é sempre presente, na sua obra, aquele primeiro campo de observações. Ali ha a ver a intriga das passagens mais violentas das suas narrativas, as tintas das suas combinações de painelista, os diálogos e personagens brutais da sua tragédia mais popular; e, para além, ainda, da paisagem, como das figuras, a razão culminante do seu gênio de origem, em que migra o sonho luxurioso, mais que um artista e dum povo,-duma civilização perdida! Importa insistir: a herança árabe se não vingou entre nós, como em Espanha, a ponto de que, ainda hoje, quase tudo o que tem de grande se não foi dela, nela se filia nem por isso deixou de influir no gênio de Portugal, onde logrou a sua invasão pelo Sul, e, onde, repetimos, se conserva evidente.
É ali viva, manifesta em todas as coisas, e, sobretudo, nos homens, a quem as mesmas condições da terra naturalmente defenderam das fusões com outras raças.
Ora, assentes estes fatos, e tendo presente os ensinamentos que do seu conhecimento derivam, chegamos logicamente a entender melhor o caso, na aparência estranho, das manifestações, por vezes distantes e tão intensivamente artísticas do Sul, e mais, em especial, de certos capítulos da obra de Fialho de'Almeida.
Em verdade, eu não encontro para explicar-me o exuberante esquisito de algumas páginas do Artista, mais do que o segredo das colorações, como dos labirinto e caprichosos desenhos de certos e admiráveis exemplares da civilização árabe na Península, dentre os quais me veem à lembrança, quase sem o querer, os velhos monumentos da Andaluzia, também, porventura, da melhor intimidade de Fialho, e que o deviam ser de todos os artistas, muito particularmente dos de Portugal e Espanha.
E, de fatos, qual o artista, verdadeiramente curioso de civilizações mortas, que não percorreu ainda Alhambra,-a Alhambra monumental dos grandes Paços de Luz, sedosos e filigranados, cujos manchetes e esmaltes se nos defrontam, mais do que como obra paciente e gostosíssima, quase dolorosos á nossa admiração, pela mesma regularidade do seu maravilhoso, tão distantemente estranho! Pois paga a pena a sua visita, sobretudo à luz de certas horas, quando, pelo estio, a tarde transfigura os monumentos, quais os move!-e Alhambra inteira exulta á claridade frouxa dos seus crepúsculos.
Como, de igual sorte, surpreende o desenho interior dos fantásticos paços, ainda pelo que abrigam de inaudito, no espetáculo das suas casas-retábulos, aliás tão intimamente caprichosas, como se fossem ampliações das covas naturais que, no Monte Sacro, lhes são fronteiras.
É que ninguém como o povo árabe teve o segredo dos recantos, soube estudar e praticar as sombras, quase medir a penumbra das arcarias; da mesma forma que também ninguém mais, como ele, conseguiu dominar pontos de vista, aperceber horizontes, toda a natureza, emoldurá-la dos seus monumentos, por vezes verdadeiros filtros de luz,-viver, sentir a cor, e, o que é mais, orquestra-la na sua obra, de uma fina grandeza sem igual.
Dali também o não se saber que mais admirar dos encantados paços, bem de molde a servirem a luxúria religiosa de tão lendário povo, se o labirinto desenho das suas paredes, como dos seus dias e azulejos, se o mesmo diabolismo e imaginativa do seu alçado! Ora, derivando dos monumentos atribuídos ao gênio árabe, à razão de sangue que flui na gente do sul da Península, chegamos facilmente à averiguação do grande valor da tutela semita no nosso movimento tradicional, mercê daquela herança-tutela sobremaneira documentada, no mais do nosso lirismo, como, em regra, em toda a nossa obra artística.
E, assim, nos encontramos, muito naturalmente com o caso de Fialho d'Almeida.
De fato, dentre os grandes plásticos da Península, quem mais que o grande Artista conseguiu ainda praticar um semelhante ou equivalente embrenhado de esmaltes e de linhas, o segredo da luz e da cor, idêntica riqueza no processo de exprimir Arte, toda aquela ânsia de vida luxuriosa que ergue o mais da obra árabe, e, em que domina sempre, ao lado do culto do indivíduo, considerado na sua religiosidade como no seu luxo, - a preocupação álacre do supremo culto da Natureza! E, entretanto, não foi, ainda, sob um tal ponto de vista que principalmente nos demos a estudá-lo.
A verdade é que ficamos pouco do rigorismo dos métodos geralmente considerados como mais lógicos, por mais naturalistas, os que tudo explicam pela razão exclusiva da procedência e do meio-quando se trata de compreender emotivos da estatura de Fialho, cuja obra precisa, a nosso entender, principalmente ser considerada sem opinião prévia, ou seja a toda a luz dos seus livros, e onde há, a par das admiráveis fatalidades das suas taras de artista do Sul, o conhecimento, os comentários, como a presença ou sugestões de tudo o que neste rodopio de Arte, que foi a segunda metade do outro século, podia considerar-se de mais interessante ou notável.
Mas caminhamos vagarosamente. Em primeiro lugar, convém ter presente que há nos recursos de Fialho d'Almeida um grande número de facetas e a tal ponto imprevistas e admiráveis, que, a ele próprio, o ofuscaram, perturbando-o, e impedindo até que realizasse o que para todo o autor deve ser o primeiro filma obra de conjunto, que, exatamente, resulta do ajustamento ou sistematização de todo o seu trabalho, de molde a levantar a figura do Artista se ele é um temperamento, ou o objetivo da sua Arte, quando ele tenha de desaparecer, em sacrifício à sua mais própria missão.
O tempo é ainda um material ao dispor dos artistas, embora, quanto a nós, o pior dos materiais.
Fialho devotou-se lhe, talvez, excessivamente. Pois que tinha auscultado a miséria do povo, no seu instinto, por desventura apurado nos primeiros anos da sua vida de acaso, não raro deixou falar o coração, para além da sua mesma canseira de Artista.
Quantas vezes ele, que foi um espírito alto e pairante, se deu a desmedir o grito dos que a própria miséria, confinada da cobardia congênita das desgraças populares, havia tornado quase Afonso, e que ainda, por uma razão de índole, eternizou vivo e plebeu, tal como lhe saiu, ao primeiro golpe, nas páginas formidáveis dos Gatos!
De fato, nenhum elemento mais cioso da transmissão do caráter do que a terra. O que Fialho prova, à saciedade, a par dos nossos maiores impressionistas.
Desenvolvemos noutro lugar a índole da zona mais meridional do Alentejo, onde se incluem Cuba e a pequena vila em que nasceu Fialho.
Resulta daquele estudo um campo étnico à parte na geografia íntima de Portugal região embaraçada da herança árabe, que semelhantemente se vê na cultura, nos seus bairros e azulejos, nas suas casas, como nas manifestações mais simples da vida vulgar dos seus habitantes.
Ora Fialho, que ali passou parte da infância jamais destruirá a recordação do primeiro espetáculo natural que feriu a sua retina de colorista, e, depois, pela vida fora, mais se lhe foi insinuando pela mesma fatalidade de sangue e nascimento que á sua terra o prendia. É isto, apesar da herança de tristeza que também desta lhe provinha, e a que se refere, ainda sordidamente, anos depois da sua estada ali, no capítulo autobiográfico do Á Esquina.
De fato, é sempre presente, na sua obra, aquele primeiro campo de observações. Ali ha a ver a intriga das passagens mais violentas das suas narrativas, as tintas das suas combinações de painelista, os diálogos e personagens brutais da sua tragédia mais popular; e, para além, ainda, da paisagem, como das figuras, a razão culminante do seu gênio de origem, em que migra o sonho luxurioso, mais que um artista e dum povo,-duma civilização perdida! Importa insistir: a herança árabe se não vingou entre nós, como em Espanha, a ponto de que, ainda hoje, quase tudo o que tem de grande se não foi dela, nela se filia nem por isso deixou de influir no gênio de Portugal, onde logrou a sua invasão pelo Sul, e, onde, repetimos, se conserva evidente.
É ali viva, manifesta em todas as coisas, e, sobretudo, nos homens, a quem as mesmas condições da terra naturalmente defenderam das fusões com outras raças.
Ora, assentes estes fatos, e tendo presente os ensinamentos que do seu conhecimento derivam, chegamos logicamente a entender melhor o caso, na aparência estranho, das manifestações, por vezes distantes e tão intensivamente artísticas do Sul, e mais, em especial, de certos capítulos da obra de Fialho de'Almeida.
Em verdade, eu não encontro para explicar-me o exuberante esquisito de algumas páginas do Artista, mais do que o segredo das colorações, como dos labirinto e caprichosos desenhos de certos e admiráveis exemplares da civilização árabe na Península, dentre os quais me veem à lembrança, quase sem o querer, os velhos monumentos da Andaluzia, também, porventura, da melhor intimidade de Fialho, e que o deviam ser de todos os artistas, muito particularmente dos de Portugal e Espanha.
E, de fatos, qual o artista, verdadeiramente curioso de civilizações mortas, que não percorreu ainda Alhambra,-a Alhambra monumental dos grandes Paços de Luz, sedosos e filigranados, cujos manchetes e esmaltes se nos defrontam, mais do que como obra paciente e gostosíssima, quase dolorosos á nossa admiração, pela mesma regularidade do seu maravilhoso, tão distantemente estranho! Pois paga a pena a sua visita, sobretudo à luz de certas horas, quando, pelo estio, a tarde transfigura os monumentos, quais os move!-e Alhambra inteira exulta á claridade frouxa dos seus crepúsculos.
Como, de igual sorte, surpreende o desenho interior dos fantásticos paços, ainda pelo que abrigam de inaudito, no espetáculo das suas casas-retábulos, aliás tão intimamente caprichosas, como se fossem ampliações das covas naturais que, no Monte Sacro, lhes são fronteiras.
É que ninguém como o povo árabe teve o segredo dos recantos, soube estudar e praticar as sombras, quase medir a penumbra das arcarias; da mesma forma que também ninguém mais, como ele, conseguiu dominar pontos de vista, aperceber horizontes, toda a natureza, emoldurá-la dos seus monumentos, por vezes verdadeiros filtros de luz,-viver, sentir a cor, e, o que é mais, orquestra-la na sua obra, de uma fina grandeza sem igual.
Dali também o não se saber que mais admirar dos encantados paços, bem de molde a servirem a luxúria religiosa de tão lendário povo, se o labirinto desenho das suas paredes, como dos seus dias e azulejos, se o mesmo diabolismo e imaginativa do seu alçado! Ora, derivando dos monumentos atribuídos ao gênio árabe, à razão de sangue que flui na gente do sul da Península, chegamos facilmente à averiguação do grande valor da tutela semita no nosso movimento tradicional, mercê daquela herança-tutela sobremaneira documentada, no mais do nosso lirismo, como, em regra, em toda a nossa obra artística.
E, assim, nos encontramos, muito naturalmente com o caso de Fialho d'Almeida.
De fato, dentre os grandes plásticos da Península, quem mais que o grande Artista conseguiu ainda praticar um semelhante ou equivalente embrenhado de esmaltes e de linhas, o segredo da luz e da cor, idêntica riqueza no processo de exprimir Arte, toda aquela ânsia de vida luxuriosa que ergue o mais da obra árabe, e, em que domina sempre, ao lado do culto do indivíduo, considerado na sua religiosidade como no seu luxo, - a preocupação álacre do supremo culto da Natureza! E, entretanto, não foi, ainda, sob um tal ponto de vista que principalmente nos demos a estudá-lo.
A verdade é que ficamos pouco do rigorismo dos métodos geralmente considerados como mais lógicos, por mais naturalistas, os que tudo explicam pela razão exclusiva da procedência e do meio-quando se trata de compreender emotivos da estatura de Fialho, cuja obra precisa, a nosso entender, principalmente ser considerada sem opinião prévia, ou seja a toda a luz dos seus livros, e onde há, a par das admiráveis fatalidades das suas taras de artista do Sul, o conhecimento, os comentários, como a presença ou sugestões de tudo o que neste rodopio de Arte, que foi a segunda metade do outro século, podia considerar-se de mais interessante ou notável.
Mas caminhamos vagarosamente. Em primeiro lugar, convém ter presente que há nos recursos de Fialho d'Almeida um grande número de facetas e a tal ponto imprevistas e admiráveis, que, a ele próprio, o ofuscaram, perturbando-o, e impedindo até que realizasse o que para todo o autor deve ser o primeiro filma obra de conjunto, que, exatamente, resulta do ajustamento ou sistematização de todo o seu trabalho, de molde a levantar a figura do Artista se ele é um temperamento, ou o objetivo da sua Arte, quando ele tenha de desaparecer, em sacrifício à sua mais própria missão.
O tempo é ainda um material ao dispor dos artistas, embora, quanto a nós, o pior dos materiais.
Fialho devotou-se lhe, talvez, excessivamente. Pois que tinha auscultado a miséria do povo, no seu instinto, por desventura apurado nos primeiros anos da sua vida de acaso, não raro deixou falar o coração, para além da sua mesma canseira de Artista.
Quantas vezes ele, que foi um espírito alto e pairante, se deu a desmedir o grito dos que a própria miséria, confinada da cobardia congênita das desgraças populares, havia tornado quase Afonso, e que ainda, por uma razão de índole, eternizou vivo e plebeu, tal como lhe saiu, ao primeiro golpe, nas páginas formidáveis dos Gatos!