Texto - "Hymno á Solidão" João Ignacio de Araujo Lima

feche e comece a digitar
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto; Mas quem sabe viver com a sua alma, nunca se encontra só; a alma é um mundo, um mundo aberto cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.

Mundo vasto que mil existências povoam: Imagens, concepções, formas do sentimento, Sonhos puros que nele em beleza revoam e ficam a brilhar, sões do seu firmamento.

Dia a dia, hora a hora, o pensamento lavra esse fecundo chão onde se esconde e medra a semente que vai germinar na palavra, cantar no som, florir na cor, sorrir na pedra.
Basta que certa luz de seus raios aqueça a semente que jaz na sua leiva escondida, para que ela, a sorrir, desabroche e floresça, de perfumes enchendo as estradas da vida.

Sei que embora essa luz nem para todos tenha o mesmo brilho, o mesmo impulso criador, da glória, sempre vã, todo o asceta desdenha, vivendo como um Deus no seu mundo interior.

E que mundo sublime, esse em que ele se agita. Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou, e em cuja criação o seu sangue palpita, que não há Deus estranho aos orbes que formou.

Nem lutas, nem paixões: ideais serenidades em que o tempo se esvai sob o encanto da hora... O passado e o porvir são anciãos e saudades: Só no instante que passa a plenitude mora.

Sombra crepuscular, que a noite não atinge, nem a aurora desfaz: rosicler e luar, meia tinta em que a alma abre os lábios de esfinge, e o seu mistério ensina a quem sabe escutar.

Mas então, inundando essa penumbra doce, de não sei que sublime esplendor sideral, como se a emanação de um ser divino fosse, deixa no nosso olhar um reflexo imortal.

Na vertigem que a vida exalta e desvia, para alguém para ouvir um coração que bate?
No seio mais formoso, o olhar que se extasia vê o mundo que nele em anciãos se debate?

É só na solidão que a alma se revela, como uma flor noturna as pétalas abrindo, a uma luz, que é talvez o clarão de uma estrela, talvez o olhar de Deus, de astro em astro caindo...
E dessa luz, a flor sem forma, há pouco obscura, recebe o seu quinhão de graça e de pureza, como das mãos do artista, animando a escultura, O mármore recebe a sua alma - a Beleza.

Se sofrer é pensar, na paz do isolamento, como de um cálice cheio o líquido extravasa, a dor, que a alma empolgou, transborda em pensamento, e a pouco e pouco extingue o fogo em que se abrasa.

Como a montanha de ouro, a alma, em seu mistério, à superfície nunca o seu teor revela; só depois de sondado e fundido o minério se conhece a riqueza acumulada nela.

Corações que a existência em tumulto arrebata! esse ouro só se extrai do minério candente, no silêncio, na paz, na quietação abstrata, das estrelas do céu sob o olhar indulgente...