Texto - "Memória sobre a plantação dos algodões" José de Sá Bettencourt

feche e comece a digitar
A terra, mais rica na sua superfície, que nas suas entranhas, serve de teatro á sábia natureza, que a renova todos os dias, com as suas produções; fazendo suceder por meio das diferentes, e multiplicadas sementes outras tantas espécies de vegetais, que cobrem a superfície do nosso globo, e fazem a felicidade dos seus habitantes. Ela reparte com grande sabedoria os seus dons, e faz que se propaguem sobre os diferentes terrenos, que lhes são próprios, já pela qualidade do seu húmus, já pela natureza do clima, sem que a destra mão do agricultor os possa fazer propagar a sua vontade: assim vemos, que as plantas da Europa com dificuldade se propagam em beira mar do Brasil; e algumas que á força de trabalho crescem, e propagam, a sua produção é débil, e sem que os Lavradores possam tirar as vantagens, que se tirão na Europa, como vemos, e se observa na vinha, que mal satisfaz a curiosidade do cultivador, sem que a produção corresponda ao trabalho.

Outras, que vegetam, e não propagam, como a oliveira, &c. outras de tal sorte amantes do seu inglês, que não vegetação, nem propagam.

O mesmo, que observamos nas plantas da Europa, cultivadas no Brasil, se observa nas plantas deste levadas para a Europa, que só vivem em casas de vidraças, administrando -se-lhes com estufas o calor, que lhes é necessário para a sua vegetação.

O Agricultor pode modificar o terreno, fazendo-o mais ou menos gordo, mais ou menos poroso, apropriando -o á natureza da sua lavoura, mas não o clima em grande, que influi na maior parte da vegetação.

Eu não me canso em referir as diferentes observações dos Filósofos, para provar, que o clima influi mais na vegetação, do que a terra, por ser esta matéria uma, e muitas vezes discutida, e provada; porque sendo a terra a mesma em toda a parte, e suscetível de receber as modificações do Agricultor, vemos que há grande dificuldade em se fazer propagar as plantas de diferentes climas transplantadas; e ainda que saibamos, conforme os verdadeiros princípios de Agricultura, e da Química, que a terra he o meio, no qual se faz a germinação, e que não serve só de laboratório, conforme o Abbade Tessier aos sucos, que lhes são destinados; mas que entra também em grande parte na sua composição, seja ela atenuada do modo, que for, o que ainda existe nós ocultos segredos da Natureza, que o homem não pôde perceber, o que se conhece pelo resíduo dos vegetais queimados; com tudo outras muitas experiências provam, que o ar é muito necessário para a perfeita vegetação, e que entra em grande parte na sua composição.

A necessidade, que os vegetais têm de água para a sua vegetação, e por todos bem conhecida, não sendo demasiada, assim como o calor, que é o princípio vivificante, o que tudo coopera, para que as plantas cresçam, e produção, conforme a qualidade do clima; que lhes é análogo. Eu me não demorou em relatar teorias sobre o princípio da vegetação; porque isto seria exceder o plano, que me proponho; só me basta provar, que o clima diferente influi nesta, ou naquela lavoura, para que o Agricultor perceba as utilidades com vantagem.

A mesma diferença, que observamos nos Países da Europa em relação aos de beira mar do Brasil, se observa nestes a respeito dos do Sertão, ou terra dentro, onde são as estações mais regulares, e as chuvas vem em tempos determinados, e constantes, o que faz, com que a lavoura seja igual, e sempre certo o tempo da plantação.

O terreno da Vila do Camamu, que fica entre 14, e 15 graus., desviado da Bahia ao Sul 24 léguas, é o País mais irregular nas suas estações, que tenho visto, porque, quer seja de verão, quer de inverno, sempre as chuvas são continuadas; e o calor no verão, conforme o termômetro de Fahrenheit, não chega a mais de 80 graus. e meio, o que faz, com que as plantações se conformem à irregularidade do clima, e se não possa nele cultivar com vantagem, senão Mandiocas, Cafés, Arroz, e Cacau, e não o Algodão, que é o principal objecto; porque, ainda que cresça nas boas terras de beira mar, a sua cultura se não pode fazer com proveito, visto que o terreno lhe não é tão próprio, e a irregularidade do clima rouba ao Lavrador as suas esperanças, vindo as chuvas no tempo da colheita, a destruir, e apodrecer o Algodão, ainda nos seus capulhos.