Enquanto cá por fora o povo em romaria
Ia buscar ao campo a rústica alegria,
Enquanto os beberrões de capa de cambraia
Passeavam andor's nos sítios d'Atalaia,
Na torre negregada, a bastilha do mar,
Uma tragédia triste estava-se a passar.
Quem as ondas domou, domou o furacão,
Da tempestade riu e zombou do trovão,
Quem viu o vasto oceano em vagas tormentosas
Tornar em vivo inferno um lindo mar de rosas,
Quem nunca vacilou em arriscar a vida
Sustendo do gentio a rude arremetida,
Estava ali curvado, a fronte bem submissa,
Com sede de razão à espera de justiça.
Nas suas almas sãs de bravos marinheiros
Todos uma família, amigos e companheiros,
Onde só a exceção pôs vis denunciantes,
Trastes sem cotação, eméritos tratantes,
Havia cor-de-rosa a lisonjeira esp'rança
De ver luzir no céu o arco da bonança.
E quem estava ali ouvindo o julgamento,
Vendo tudo cair sem base ou fundamento,
Quem via soçobrar a velha acusação
De tétrica revolta ou negra sedição,
Quem via que um protesto unânime, geral,
Fora do movimento a causa inicial,
Calculava que o fim de tanta crueldade
Seria um ato bom de generosidade.
Porém, surgiu ali a D. Disciplina,
Cabelo em desalinho, a garra que é tigrina
Adunca e colossal; a histérica madona,
A serôdia vestal, a bélica matrona,
Tinha sido ofendida em seu pudor imenso,
Um pudor que rescende a perfumes e incenso.
Oh! não! bradou convulsa; oh! não, não pode ser?
Não pode haver piedade, eu quero-os ver sofrer!
Que importa o coração? Enterre-se a bondade,
É preciso um exemplo a toda a humanidade!
Sofram os bofetões, as rudes chibatadas,
Os dias no porão, as algemas fechadas,
Tenham do pão e água o efêmero alimento,
Tudo o que o meu poder impõe como tormento!
Nem um gesto sequer de simples desagrado,
Senão, se ouço gritar... verão o resultado!
Esta torre aqui 'stá, conhece muita mágoa,
Nas úmidas prisões entra em cachões a água;
Quem não me obedecer há de rolar no abismo,
Morrerá como um cão, de dor's e reumatismo.
Findou a inquisição, diz se p'r'aí a esmo.
A torre 'inda cá está, e vem a dar no mesmo!
E com imensa dor, os peitos palpitantes,
Lágrimas o brotar de mães pobres velhinhas,
Na branca lividez de esposas soluçantes,
Nos choros infantis de pobres criancinhas,
Levantando a cabeça em gargalhada f'rina,
'Inda mais uma vez venceu a Disciplina!
Ó velha Disciplina, ó serôdia vestal
De palmito e capela, os cabelos pintados,
A virginal grinalda, à laia de avental,
O rosto convulsivo a desfazer-se em brados.
Ó ginja delambida, ó velha sem razão,
Vamos fazer autopsia ao vosso coração.
Sabeis o que é amar, ter mãe e ter irmãs,
Velhas a sustentar, crianças a manter,
Noivas todas paixão em suas almas sãs
O futuro, uma vida, a aspiração dum ser?
Não o sabeis decerto, ó bélica matrona
Austera Disciplina, ó velha solteirona.
Quem não se quis curvar à vossa tirania
Tem de gemer ali em fúnebre masmorra,
Liberdade, Igualdade, isso é uma utopia
É vosso o mundo inteiro, e quem protestar: morra!
Ó como é triste e vil, o mundo, a humanidade
Quando não quer subir ao sólio da bondade.
Onde tendes matrona, o coração sensível
Próprio dum peito bom, que tem ao rigor asco
Que dita uma sentença ignóbil e terrível
Com toda a placidez dum cínico carrasco.
Onde guardais essa alma, escura, empedernida,
Que incensando o rigor dispõe de muita vida?...
Remirando os galões, bonitos reluzentes,
Onde a vaidade pôs cintilações a rodos,
Julgai-vos superior a todos os mais entes
Nascidos como vós, mortais como nós todos.
E senhora feudal, ó velha Disciplina
Cravais a garra adunca, a tétrica assassina!
Lá vão tristes viver em lúgubres prisões
Em climas de matar os pobres marinheiros,
Anos a soluçar na febre das paixões,
As saudades dos seus, o amor dos companheiros.
Condenados, porquê? Por terem dignidade.
O espírito do bem, da solidariedade!
E vós, velha matrona a rir como perdida
Talvez inda acheis pouco o rude sofrimento;
Onde é que vos guardais ó velha delambida
As mais simples noções do humano sentimento?
Não pode haver autopsia ao vosso coração...
Ó velha Disciplina, ó estupido chavão!
Enquanto o povo inteiro, os peitos soluçantes
Esperava de vós um ato de justiça,
De código na mão os olhos coruscantes
Eivada de rancor entraveis já da liça
E de boca a espumar, terrível colossal,
Ditáveis a sentença onde imperava o mal.
Ó velha Disciplina, ó tola potestade,
Ó fúnebre espantalho, ó velha rabugenta.
Deixai essa «imposant» de grande majestade
Que no século vinte é triste e não se aguenta.
A cova está aberta, entrai, ó Disciplina,
Cavou-a esse rigor: morrei, ó assassina!
Ia buscar ao campo a rústica alegria,
Enquanto os beberrões de capa de cambraia
Passeavam andor's nos sítios d'Atalaia,
Na torre negregada, a bastilha do mar,
Uma tragédia triste estava-se a passar.
Quem as ondas domou, domou o furacão,
Da tempestade riu e zombou do trovão,
Quem viu o vasto oceano em vagas tormentosas
Tornar em vivo inferno um lindo mar de rosas,
Quem nunca vacilou em arriscar a vida
Sustendo do gentio a rude arremetida,
Estava ali curvado, a fronte bem submissa,
Com sede de razão à espera de justiça.
Nas suas almas sãs de bravos marinheiros
Todos uma família, amigos e companheiros,
Onde só a exceção pôs vis denunciantes,
Trastes sem cotação, eméritos tratantes,
Havia cor-de-rosa a lisonjeira esp'rança
De ver luzir no céu o arco da bonança.
E quem estava ali ouvindo o julgamento,
Vendo tudo cair sem base ou fundamento,
Quem via soçobrar a velha acusação
De tétrica revolta ou negra sedição,
Quem via que um protesto unânime, geral,
Fora do movimento a causa inicial,
Calculava que o fim de tanta crueldade
Seria um ato bom de generosidade.
Porém, surgiu ali a D. Disciplina,
Cabelo em desalinho, a garra que é tigrina
Adunca e colossal; a histérica madona,
A serôdia vestal, a bélica matrona,
Tinha sido ofendida em seu pudor imenso,
Um pudor que rescende a perfumes e incenso.
Oh! não! bradou convulsa; oh! não, não pode ser?
Não pode haver piedade, eu quero-os ver sofrer!
Que importa o coração? Enterre-se a bondade,
É preciso um exemplo a toda a humanidade!
Sofram os bofetões, as rudes chibatadas,
Os dias no porão, as algemas fechadas,
Tenham do pão e água o efêmero alimento,
Tudo o que o meu poder impõe como tormento!
Nem um gesto sequer de simples desagrado,
Senão, se ouço gritar... verão o resultado!
Esta torre aqui 'stá, conhece muita mágoa,
Nas úmidas prisões entra em cachões a água;
Quem não me obedecer há de rolar no abismo,
Morrerá como um cão, de dor's e reumatismo.
Findou a inquisição, diz se p'r'aí a esmo.
A torre 'inda cá está, e vem a dar no mesmo!
E com imensa dor, os peitos palpitantes,
Lágrimas o brotar de mães pobres velhinhas,
Na branca lividez de esposas soluçantes,
Nos choros infantis de pobres criancinhas,
Levantando a cabeça em gargalhada f'rina,
'Inda mais uma vez venceu a Disciplina!
Ó velha Disciplina, ó serôdia vestal
De palmito e capela, os cabelos pintados,
A virginal grinalda, à laia de avental,
O rosto convulsivo a desfazer-se em brados.
Ó ginja delambida, ó velha sem razão,
Vamos fazer autopsia ao vosso coração.
Sabeis o que é amar, ter mãe e ter irmãs,
Velhas a sustentar, crianças a manter,
Noivas todas paixão em suas almas sãs
O futuro, uma vida, a aspiração dum ser?
Não o sabeis decerto, ó bélica matrona
Austera Disciplina, ó velha solteirona.
Quem não se quis curvar à vossa tirania
Tem de gemer ali em fúnebre masmorra,
Liberdade, Igualdade, isso é uma utopia
É vosso o mundo inteiro, e quem protestar: morra!
Ó como é triste e vil, o mundo, a humanidade
Quando não quer subir ao sólio da bondade.
Onde tendes matrona, o coração sensível
Próprio dum peito bom, que tem ao rigor asco
Que dita uma sentença ignóbil e terrível
Com toda a placidez dum cínico carrasco.
Onde guardais essa alma, escura, empedernida,
Que incensando o rigor dispõe de muita vida?...
Remirando os galões, bonitos reluzentes,
Onde a vaidade pôs cintilações a rodos,
Julgai-vos superior a todos os mais entes
Nascidos como vós, mortais como nós todos.
E senhora feudal, ó velha Disciplina
Cravais a garra adunca, a tétrica assassina!
Lá vão tristes viver em lúgubres prisões
Em climas de matar os pobres marinheiros,
Anos a soluçar na febre das paixões,
As saudades dos seus, o amor dos companheiros.
Condenados, porquê? Por terem dignidade.
O espírito do bem, da solidariedade!
E vós, velha matrona a rir como perdida
Talvez inda acheis pouco o rude sofrimento;
Onde é que vos guardais ó velha delambida
As mais simples noções do humano sentimento?
Não pode haver autopsia ao vosso coração...
Ó velha Disciplina, ó estupido chavão!
Enquanto o povo inteiro, os peitos soluçantes
Esperava de vós um ato de justiça,
De código na mão os olhos coruscantes
Eivada de rancor entraveis já da liça
E de boca a espumar, terrível colossal,
Ditáveis a sentença onde imperava o mal.
Ó velha Disciplina, ó tola potestade,
Ó fúnebre espantalho, ó velha rabugenta.
Deixai essa «imposant» de grande majestade
Que no século vinte é triste e não se aguenta.
A cova está aberta, entrai, ó Disciplina,
Cavou-a esse rigor: morrei, ó assassina!